A
Partilha
Miguel
Falabella
Representada
no
Teatro
Cândido
Mendes
–
em
1988
Personagens
:
Maria
Lúcia
Regina
Selma
Laura
Prólogo
(
Música
inicial
,
calma
e
tranquila
,
que
deve
ser
o
tema
da
peça
,
pontuando
a
ação
em
momentos
propícios
.
Um
tempo
no
black
out
com
a
música
de
fundo
.
Súbito
,
uma
campainha
estridente
toca
,
interrompendo
a
música
.
Ato
contínuo
,
uma
luz
vermelha
se
acende
iluminando
Maria
Lúcia
que
,
assustada
grita
.
Maria
Lúcia
é
uma
mulher
muito
bem
cuidada
,
usa
boas
roupas
,
chapéu
,
um
elegante
casaco
dobrado
sobre
um
dos
braços
.
A
seus
pés
,
algumas
malas
e
uma
nécessaire
.
Ela
olha
atônita
para
a
luz
,
ainda
assustada
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Nossa
!
Que
susto
!
(
Ela
ouve
um
interlocutor
)
O
que
?
Claro
.
Eu
percebi
que
a
luz
vermelha
acendeu
,
não
sou
cega
.
(
Pausa
)
Ah
!
Não
...
O
senhor
não
vai
me
obrigar
a
abrir
toda
a
minha
bagagem
,
vai
?
(
Pausa
)
Vai
.
Escuta
,
eu
estou
vindo
ao
Brasil
porque
,
eu
sei
que
o
senhor
não
tem
nada
a
ver
com
isso
,
mas
é
uma
emergência
.
Minha
mãe
faleceu
e
eu
só
consegui
passagem
para
hoje
e
hoje
é
enterro
,
entendeu
?
(
Pausa
)
Morreu
,
sim
...
Ah
,
obrigada
.
Não
,
já
estava
bem
idosa
,
coisa
da
vida
.
Eu
ir
,
então
?
Não
?
(
Ela
fica
nervosa
)
Mas
como
não
?
O
senhor
não
entendeu
nada
?
(
Pausa
)
Ora
,
tenha
santa
paciência
!
O
senhor
acha
que
vou
deixar
todo
mundo
me
esperando
com
o
caixão
aberto
?
(
Pausa
)
Desculpe
,
eu
estou
nervosa
.
(
Noutro
Em
Em outro
outro
ponto
do
palco
,
luz
sobre
Selma
.
Ela
é
uma
típica
burguesa
,
não
tão
bem
cuidada
quanto
gostaria
,
mas
que
ainda
guarda
os
traços
de
beleza
de
outrora
.
Usa
roupas
comuns
,
cabelos
comuns
,
tudo
nela
é
comum
–
ela
parece
saber
disso
,
trazendo
uma
certa
melancolia
no
olhar
.
Selma
está
examinando
uma
mercadoria
.
)
SELMA .
Selma.
SELMA.
Em
mogno
,
o
senhor
não
tem
nada
?
(
Ela
ouve
,
atenta
)
Sei
...
aquele
ali
,
é
de
que
?
Cerejeira
é
?
Nem
percebi
...
e
olha
que
mandei
fazer
os
armários
lá
de
casa
todinhos
em
cerejeira
.
Ficou
muito
bonito
o
trabalho
,
só
vendo
...
(
Pausa
,
ela
pondera
)
Afasta
o
pensamento
,
pensando
bem
,
é
melhor
não
...
Vai
me
lembrar
o
gavetão
de
roupa
suja
do
banheiro
.
(
Escuta
)
Não
,
não
.
Eu
queria
uma
coisa
mais
simples
,
acho
meio
vulgar
essas
tampas
muito
entalhadas
.
(
Pausa
)
Como
?
Claro
que
não
é
para
mim
!
Que
ideia
!
Isola
!
(
Pausa
)
Trouxe
.
Trouxe
as
medidas
,
sim
.
(
Procura
na
bolsa
.
Acha
o
papel
.
)
O
senhor
não
acha
isso
um
horror
?
Claro
que
não
...
é
o
seu
negócio
,
não
é
?
A
mãe
é
que
é
minha
.
(
Luz
sobre
Regina
,
em
outro
ponto
,
que
se
admira
num
espelho
imaginário
de
Salão
de
beleza
.
Regina
é
colorida
,
alegre
,
e
,
definitivamente
,
quer
deixar
claro
que
não
segue
padrões
normais
de
comportamento
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Sabe
de
uma
coisa
,
Francis
?
Eu
descobri
que
nunca
gostei
muito
da
minha
mãe
.
Pelo
menos
,
não
da
maneira
que
as
pessoas
esperam
que
a
gente
goste
.
Eu
tenho
investigado
essa
relação
há
tanto
tempo
,
mas
nunca
consegui
chegar
a
nenhuma
conclusão
satisfatória
!
(
Pausa
)
Cuidado
com
a
nuca
,
agora
.
Não
me
deixa
nenhum
rabo
pendurado
.
Isso
...
A
nuca
bem
batidinha
.
Outro
dia
,
uma
amiga
minha
me
disse
que
pirou
porque
perdeu
a
mãe
muito
cedo
e
foi
criada
sem
amor
materno
.
Pois
eu
cheguei
à
conclusão
de
que
mãe
fode
com
a
cabeça
da
gente
de
qualquer
maneira
.
Viva
ou
morta
.
Cuidado
,
agora
,
de
que
da
última
vez
,
eu
fiquei
parecendo
um
poodle
!
(
Luz
sobre
Laura
,
noutro
ponto
.
Laura
está
na
redação
do
jornal
,
onde
trabalha
.
Ela
é
a
mais
fechada
,
a
intelectual
da
família
.
Ela
está
com
um
telefone
nas
mãos
.
Sonoplastia
típica
da
redação
de
um
jornal
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Alô
?
Alô
?
Merda
!
Secretária
eletrônica
,
outra
vez
.
(
Pausa
)
Alô
,
aqui
é
Laura
,
novamente
.
Olha
desculpe
eu
estar
incomodando
,
mas
eu
preciso
de
uma
declaração
sua
pra
para
fechar
uma
matéria
ainda
hoje
.
Se
você
puder
ligar
aqui
pro
para o
para
o
jornal
,
eu
já
deixei
o
número
.
Obrigada
.
(
Ela
desliga
e
fala
com
alguém
)
Ela
não
vai
ligar
...
Tá
Está
estreando
uma
peça
depois
de
amanhã
.
Não
tem
mais
ninguém
na
sua
lista
?
(
A
luz
,
agora
acende-se
sobre
as
quatro
,
cada
uma
em
sua
situação
particular
)
MARIA
Maria
.
Isso
,
eu
já
entendi
.
Quando
a
luz
vermelha
acende
,
sua
função
é
examinar
toda
a
bagagem
.
(
Pausa
)
Assustada
,
eu
?
Mas
é
claro
!
O
senhor
sabe
o
que
está
acontecendo
nos
aeroportos
do
mundo
,
não
sabe
?
Essa
campainha
parece
de
guerra
de
um
terrorista
Líbia
!
(
Pausa
)
Maldita
luz
vermelha
!
Não
dá
pro
para o
para
o
senhor
fingir
que
é
daltônico
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Velório
,
funeral
,
são
rituais
necessários
.
Função
catártica
,
sabe
...
Francis
?
Além
do
mais
,
eu
descobri
que
a
gente
não
chora
a
morte
do
outro
,
a
gente
chora
a
própria
morte
.
(
Pausa
)
Pensando
bem
,
não
fui
eu
quem
descobriu
isso
,
mas
eu
assino
embaixo
que
tal
se
a
gente
ousasse
mais
a
franja
?
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Um
cafezinho
nas
mãos
)
Tá
Está
ótimo
,
obrigada
.
Lá
em
casa
,
a
gente
só
usa
solúvel
.
É
bem
mais
prático
e
depois
que
a
gente
acostuma
,
ninguém
nota
a
diferença
...
Bonitinho
aquele
ali
,
com
o
anjinho
...
Ai
,
tô
estou
na
maior
dúvida
,
não
sei
o
que
faço
.
Eu
detesto
fazer
compras
sozinha
,
nunca
consigo
escolher
o
que
quer
que
seja
.
O
senhor
já
viu
que
coisa
?!
(
Ri
,
meio
constrangida
)
Eu
vou
usar
seu
telefone
.
Vou
ligar
para
o
meu
marido
.
Homem
é
bem
mais
prático
pra
para
essas
coisas
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ficou
ótimo
,
Francis
!
(
Pausa
)
Não
,
eu
sei
que
você
não
vai
poder
ir
,
mas
não
tem
a
menor
importância
.
Vai
ser
uma
coisa
íntima
,
de
família
,
mesmo
.
Eu
,
por
mim
,
faria
uma
opção
radical
e
seguiria
as
tendências
africanas
no
funeral
festivo
,
mas
as
minhas
irmãs
...
Bom
,
deixa
pra
para
lá
...
essas
relações
familiares
são
sempre
um
tédio
!
LAURA .
Laura
LAURA.
(
No
telefone
)
Sou
eu
,
outra
vez
.
Desculpe
,
mas
é
importante
.
(
Toca
outro
telefone
,
ela
atende
)
Redação
.
Oi
,
sou
eu
.
Não
,
fala
logo
que
eu
não
tô
estou
boa
pra
para
suspense
,
não
.
(
Ela
ouve
)
O
que
?
Recusada
,
como
?
Eu
passei
quase
um
ano
escrevendo
essa
tese
.
(
Sente
vontade
de
chorar
,
mas
segura
a
onda
.
)
Você
era
minha
orientadora
,
devia
ter
feito
alguma
coisa
!
SELMA .
Selma
SELMA.
(
No
telefone
)
Não
tem
ninguém
em
casa
.
Eu
mesma
é
que
vou
ter
que
escolher
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
É
tudo
de
uso
pessoal
.
E
uns
presentinhos
pra
para
família
.
(
Ouvem-se
latidos
de
cão
)
Cuidado
aí
com
esse
cachorro
,
que
ele
não
foi
com
a
minha
cara
,
não
.
Ah
,
é
treinado
...
que
bom
.
Cuidado
,
cuidado
que
ele
vai
pular
em
cima
de
mim
!
(
Fica
paralisada
)
Tira
esse
cachorro
daqui
,
pelo
amor
de
Deus
!
Esse
animal
está
cheirando
minhas
axilas
!
Como
,
drogas
?
O
senhor
acha
que
eu
passo
cocaína
no
sovaco
?
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Ao
telefone
)
Isso
é
politicagem
da
Universidade
.
Não
querem
me
dar
a
vaga
de
assistente
pra
para
colocar
aquela
analfabeta
que
anda
com
o
decano
.
Que
vergonha
,
meu
Deus
!
(
Toca
outro
telefone
)
Pera
Espera
aí
.
(
Atende
)
Redação
.
Ah
!
Como
vai
?
Um
minutinho
,
por
favor
.
(
Noutro
Em
Em outro
outro
telefone
)
Eu
preciso
de
uma
declaração
sua
pra
para
matéria
que
estou
fechando
hoje
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Sou
inteiramente
a
favor
da
cremação
.
Não
é
só
muito
mais
higiênico
,
como
liberta
a
alma
com
uma
rapidez
inacreditável
!
Porque
,
cá
pra
para
nós
,
Francis
,
aguentar
burocracia
no
plano
astral
não
deve
ser
fácil
!
SELMA .
Selma
SELMA.
À
vista
tem
trinta
por
cento
,
é
?
(
Pondera
)
Se
bem
que
é
melhor
pagar
no
cartão
.
Não
está
aceitando
mais
?
Cada
dia
que
passa
fica
mais
(
Feira
)
difícil
morrer
.
(
Pausa
)
Qualquer
dia
,
a
gente
morre
e
fica
pagando
o
caixão
em
quinze
anos
pela
Caixa
.
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Sempre
ao
telefone
)
Não
,
não
,
a
matéria
está
prometida
.
Sábado
,
sem
falta
.
Olha
,
faz
uma
forcinha
,
vai
...
Uma
declaração
e
eu
ganho
o
meu
dia
.
(
Começa
a
ficar
nervosa
,
morde
um
lápis
)
Qualquer
declaração
serve
.
Tá
Está
sem
inspiração
?
Por
favor
...
eu
preciso
fechar
essa
matéria
,
a
minha
mãe
morreu
,
eu
estou
descontrolada
,
tenha
piedade
e
me
responda
a
uma
perguntinha
só
.
(
Fica
parada
,
atônita
)
Ela
desligou
.
A
filha
da
mãe
desligou
!
(
A
música
sobe
.
Ilumina-se
o
centro
do
palco
.
Quatro
velas
dispostas
como
se
um
caixão
(
que
não
se
vê
)
estivesse
ali
no
meio
.
Selma
está
parada
,
velando
.
Regina
chega
.
Olha
a
capela
,
depois
a
mãe
.
Um
tempo
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Ela
está
com
uma
cara
tão
tranquila
...
SELMA .
Selma
SELMA.
É
.
Mas
penou
muito
coitada
...
Eu
é
que
sei
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Você
tratou
de
tudo
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Claro
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Incrédula
)
Você
mesma
escolheu
o
caixão
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Alguém
tinha
que
escolher
.
Você
some
,
a
Laurinha
vive
enfiada
no
jornal
.
Se
eu
não
tomasse
as
providências
,
mamãe
ia
acabar
num
saco
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
estou
te
criticando
.
Não
precisa
ficar
nervosa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Vocês
deviam
me
agradecer
,
isso
sim
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Esquece
.
(
Olha
a
mãe
.
Pausa
.
)
Você
notou
que
ela
morreu
sorrindo
?
Deve
ter
tido
uma
revelação
no
momento
final
.
Eu
acho
que
o
papai
em
pessoa
veio
buscá-la
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
começa
com
suas
filosofias
orientais
,
Regina
.
Não
começa
,
que
você
sabe
muito
bem
que
eu
não
acredito
em
nada
disso
.
Papai
já
morreu
há
doze
anos
,
se
ele
tivesse
que
vir
buscar
a
mamãe
,
pra
para
que
esperar
tanto
tempo
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Acorda
,
filha
da
luz
!
Bom
,
o
importante
é
que
ela
está
numa
muito
melhor
do
que
nós
.
Pelos
meus
cálculos
,
ela
deve
estar
saindo
da
câmara
de
recordações
e
se
deslumbrando
com
a
planície
astral
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
fala
como
se
fosse
uma
alma
penada
fazendo
turismo
na
terra
!
Ai
,
chega
Regina
!
Chega
,
que
essas
coisas
não
me
convencem
.
(
Pausa
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Quer
um
café
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
Parei
de
fumar
.
Se
eu
tomar
um
café
,
não
resisto
.
(
Anda
de
um
lado
para
o
outro
.
)
Você
avisou
a
alguém
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Algumas
pessoas
.
Poucas
.
Seus
filhos
não
vêm
?
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Mário
tá
está
em
São
Paulo
.
A
Simone
,
você
sabe
como
é
,
não
quis
vir
e
eu
não
insisti
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Devia
ter
insistido
.
Mais
cedo
ou
mais
tarde
,
ela
vai
ter
que
encarar
a
morte
.
É
doloroso
,
mas
é
doloroso
para
o
crescimento
.
E
além
do
mais
,
a
mamãe
já
estava
doente
há
bastante
tempo
.
Era
uma
coisa
esperada
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Psicóloga
de
bolso
.
Os
seus
filhos
onde
estão
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Num
festival
de
surf
em
Saquarema
,
eu
acho
.
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Metra
)
Um
programa
bem
mais
interessante
do
que
enterrar
a
avó
.
(
Pausa
.
Elas
se
estranham
um
momento
)
Teve
notícias
de
Maria
Lúcia
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
.
Ela
estava
com
dificuldades
de
arranjar
lugar
,
os
voos
estão
todos
lotados
.
Mas
ela
deve
estar
chegando
por
aí
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
acredito
que
tanta
gente
viaje
de
Paris
para
o
Rio
,
nessa
época
do
ano
.
Isso
,
pra
para
mim
,
é
desculpa
pra
para
não
vir
.
Maria
Lúcia
nunca
ligou
muito
pra
para
mamãe
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Isso
não
é
verdade
,
Selma
!
Maria
Lúcia
mora
em
Paris
e
Paris
não
é
a
Tijuca
.
Fica
meio
contramão
dar
um
pulinho
,
ali
,
no
São
João
Batista
,
você
não
acha
?
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Perto
do
caixão
)
Qual
é
o
problema
que
vocês
têm
com
a
Tijuca
,
quer
me
dizer
?
Vocês
vivem
implicando
com
a
Tijuca
!
(
Pausa
)
A
Laurinha
,
outro
dia
,
teve
a
cara
de
pau
de
me
ligar
,
pra
para
me
entrevistar
.
Disse
que
estava
traçando
um
perfil
da
classe
média
tijucana
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Ri
)
O
que
que
você
fez
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Mandei
ela
tomar
no
cu
.
(
Fica
chocada
com
as
próprias
palavras
)
Ai
,
que
horror
!
(
Dá
uma
espiada
na
mãe
)
Espanta
essa
mosca
aí
,
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Quem
te
viu
e
quem
te
vê
,
heim
?
O
Luiz
Fernando
deixa
você
falar
palavrão
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
tô
estou
mudando
,
Regina
.
Agora
,
escreveu
,
não
leu
,
o
pau
comeu
.
(
Regina
ri
.
Laura
vem
do
fundo
.
Elas
se
beijam
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Não
chegou
ninguém
ainda
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
.
Aliás
,
eu
estou
achando
isso
muito
esquisito
.
Alguma
coisa
deve
ter
dado
errado
.
Não
é
possível
que
não
apareça
ninguém
!
Eu
nunca
vi
nenhum
enterro
em
que
não
apareça
ninguém
!
Eu
nunca
vi
nenhum
enterro
em
que
não
aparecesse
uma
tia
que
a
gente
não
vê
há
anos
,
uma
velha
empregada
e
o
ex-marido
.
É
quase
uma
lei
cósmica
.
(
Ela
sorri
e
para
)
Alguém
sempre
aparece
pra
para
prestar
uma
última
homenagem
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
avisei
quem
podia
.
Liguei
pra
para
São
Paulo
,
mandei
o
comunicado
pros
para os
para
os
jornais
e
telefonei
pra
para
Maria
Amélia
,
mas
o
pessoal
da
tia
Mirtes
não
vai
poder
vir
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
,
pelo
visto
,
só
nos
resta
esperar
.
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Que
esteve
olhando
a
mãe
)
Quem
colocou
esse
vestido
nela
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Fui
eu
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Não
entendi
.
A
mamãe
não
suportava
esse
vestido
.
Eu
lembro
quando
ela
comprou
e
quis
devolver
.
Não
aceitaram
de
volta
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
nunca
soube
disso
.
LAURA .
Laura
LAURA.
É
claro
que
você
sabia
disso
,
Selma
.
Eu
ainda
não
entendi
o
porquê
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Bom
,
se
a
Laurinha
faz
tanta
questão
,
a
gente
pode
trocar
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Aqui
?
Você
tá
está
louca
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
só
fiz
um
comentário
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
acho
que
sei
porque
você
colocou
esse
vestido
nela
.
Uma
vingançazinha
particular
...
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Aumenta
a
voz
)
Olha
aqui
,
Laurinha
,
se
você
veio
me
provocar
no
velório
da
mamãe
,
eu
acho
bom
nem
ficar
pro
para o
para
o
enterro
,
porque
eu
perco
a
cabeça
,
viu
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
,
fala
baixo
!
Tá
Está
todo
mundo
olhando
ali
na
outra
capela
...
Laurinha
,
não
começa
,
pelo
amor
de
Deus
...
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Gesto
de
carinho
,
Selma
recusa
)
Desculpa
,
Selma
,
vai
...
eu
não
quis
te
provocar
.
Cadê
a
Maria
Lúcia
,
gente
?
(
Maria
Lúcia
aparece
,
esbaforida
,
no
fundo
da
cena
.
Ainda
tem
a
nécessaire
nas
mãos
.
O
chapéu
meio
torto
,
ela
procura
a
capela
perdida
Laurinha
a
vê
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Olha
lá
.
Falando
no
diabo
,
ele
aparece
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Que
chique
!
De
chapéu
e
tudo
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Maria
Lúcia
sempre
quis
se
exibir
.
Olha
lá
,
completamente
cega
!
Por
que
é
que
não
põe
os
óculos
de
uma
vez
por
todas
?
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Chama
)
Maria
Lúcia
!
Maria
Lúcia
!
(
Maria
Lúcia
se
aproxima
.
Beija
as
irmãs
.
Selma
é
a
última
a
ser
beijada
.
Fica
ressentida
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Veio
chique
,
heim
?
Quem
vê
,
não
diz
que
vai
enterrar
a
mãe
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Se
é
pra
para
ser
agredida
,
faço
a
volta
daqui
!
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Rosna
)
Precisava
vir
de
chapéu
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
dá
pra
para
acreditar
,
Selma
.
Você
não
vê
há
dois
anos
e
vai
me
infernizar
por
causa
da
porra
de
um
chapéu
?
Quer
me
dar
licença
?
(
Ela
se
aproxima
do
caixão
e
fica
olhando
,
pensativa
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Deixa
ela
em
paz
,
Selma
.
O
que
é
que
deu
em
você
?
Você
está
insuportável
!
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Olhando
pela
janela
)
O
trânsito
está
insuportável
.
É
pra
para
piorar
,
parece
que
vai
cair
um
temporal
horrível
.
Deve
ser
por
isso
que
não
chega
ninguém
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
tô
estou
cansada
.
Fiz
o
que
podia
.
Minha
consciência
está
tranquila
.
Fiquei
ao
lado
dela
até
o
fim
,
mesmo
sabendo
que
ela
ia
preferir
qualquer
outra
filha
...
Você
tem
razão
,
Laurinha
.
Esse
vestido
deve
ter
sido
uma
vingançazinha
particular
.
Inconsciente
,
mas
foi
...
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Trovão
)
Pronto
.
Começou
a
chover
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Vamos
ter
que
acompanhar
o
enterro
debaixo
d’água
.
Que
dia
,
meu
Deus
...
SELMA .
Selma
SELMA.
E
Luiz
Fernando
que
não
chega
!
LAURA .
Laura
LAURA.
É
o
trânsito
.
Ainda
mais
com
chuva
...
A
Tijuca
fica
toda
engarrafada
.
Ninguém
anda
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
começa
a
falar
da
Tijuca
,
Laurinha
...
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Da
janela
)
Sabe
que
olhando
pra
para
esses
túmulos
todos
lá
fora
,
eu
estava
pensando
:
se
a
lei
da
reencarnação
é
mesmo
válida
,
então
devem
haver
vários
túmulos
nossos
por
aí
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
ideia
,
Regina
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Por
que
não
?
Olha
só
aquele
ali
.
(
Ela
aperta
os
olhos
para
ler
)
Eudóxia
Agríccola
,
saudades
dos
teus
.
Qualquer
uma
de
nós
pode
ter
sido
Eudóxia
Agriccola
.
Vocês
sabiam
que
em
outras
reencarnações
,
eu
já
fui
decapitada
duas
vezes
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Deve
ser
por
isso
que
você
perde
tanto
a
cabeça …
(
Elas
riem
.
Percebem
.
Param
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
O
pessoal
daquela
capela
não
deve
estar
entendendo
nada …
SELMA .
Selma
SELMA.
Quem
será
que
está
aí
do
lado
,
hein
?
Tanta
gente …
REGINA .
Regina
REGINA.
Deve
ser
político
.
Eles
prometem
tanto
que
o
povo
vem
se
certificar
da
morte
,
antes
de
perder
as
esperanças
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ou
é
político
,
ou
é
artista
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
acho
melhor
a
gente
tomar
uma
providência
e
ir
chamar
um
padre
,
antes
que
a
chuva
aumente
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Vai
você
.
Eu
já
fiz
muito
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Irrita-se
)
Que
mania
é
essa
,
agora
,
Selma
?
Eu
fiz
isso
,
eu
fiz
aquilo …
Todas
nós
fizemos
o
que
pudemos
.
Se
você
acha
que
fez
mais
,
não
faz
nada …
LAURA .
Laura
LAURA.
A
Selma
sempre
teve
essa
mania
.
Faz
pra
para
depois
jogar
na
cara
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
vou
abrir
a
minha
boca
,
porque
se
eu
falar …
SELMA .
Selma
SELMA.
Se
você
falar
,
o
que
,
Maria
Lúcia
?
Pode
falar
.
Eu
acho
até
bom
você
dizer
o
que
pensa
logo
,
porque
nunca
se
sabe
quando
é
que
você
vai
aparecer
novamente
.
Durante
todo
o
tempo
em
que
a
mamãe
esteve
doente
,
você
foi
incapaz
de
vir
ao
Brasil
,
incapaz
de
pegar
um
avião
pra
para
vir
ver
como
eram
que
as
coisas
estavam
.
E
,
agora
,
você
quer
falar
o
que
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Irritando-se
)
Nada
.
Nada
.
Não
vou
falar
nada
.
Eu
não
vim
brigar
com
você
.
Eu
vim
decidir
o
que
deve
ser
decidido
.
Não
pense
que
eu
posso
ficar
vindo
no
Brasil
toda
a
semana
,
porque
eu
não
posso
.
Eu
tenho
um
marido
,
uma
casa
,
um
trabalho
,
igualzinha
a
você
.
Com
a
diferença
de
que
eu
moro
país
estrangeiro
,
longe
dos
meus
amigos
,
da
família
,
de
tudo
.
E
tem
mais
:
não
tenho
para
onde
correr
,
não
.
(
Maria
Lúcia
já
fica
com
vontade
de
chorar
.
Controla-se
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Vamos
falar
mais
baixo
.
(
Falando
alto
)
Se
nós
começarmos
a
brigar
agora
,
as
coisas
vão
mal
.
Nós
temos
milhares
de
coisas
pra
para
resolver
juntas
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Mas
é
claro
:
a
partilha
!
É
só
no
que
vocês
estão
interessadas
.
Vender
tudo
o
que
for
possível
e
ponto
final
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Se
você
não
está
interessada
,
Selma
,
pode
abrir
mão
da
sua
parte
.
Nenhuma
de
nós
vai
reclamar
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Cada
vez
mais
irritada
)
Você
tem
coragem
de
dizer
isso
na
minha
cara
,
Selma
?
Será
que
você
não
lembra
de
tudo
o
que
eu
fiz
por
você
?
Todas
as
barras
que
eu
segurei
por
sua
causa
?
SELMA .
Selma
SELMA.
E
sou
eu
quem
gosta
de
jogar
na
cara
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Você
gosta
é
de
magoar
os
outros
.
Você
sempre
foi
assim
:
diz
o
que
quer
e
finge
que
não
disse
nada
.
Todas
nós
sabíamos
que
a
mamãe
estava
mal
,
há
mais
de
um
ano
que
ela
não
reconhecia
ninguém
.
Agora
,
você
jogar
na
minha
cara
que
eu
não
quis
ajudar
,
Selma
...
Com
franqueza
,
é
muita
mesquinharia
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
não
quis
ajudar
,
não
.
Você
não
pode
.
Isso
não
muda
nada
,
Maria
Lúcia
.
Também
não
começa
a
se
fazer
de
vítima
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Quer
não
se
meter
,
Laurinha
?
(
Elas
começam
a
gritar
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Por
quê
?
Por
que
eu
não
vou
me
meter
?
Eu
não
sou
mais
criança
,
não
,
Maria
Lúcia
,
e
vou
logo
avisando
que
eu
não
vou
admitir
que
vocês
me
tratem
como
uma
débil-mental
como
sempre
fizeram
.
Só
pra
para
deixar
as
coisas
bem
claras
,
eu
tenho
opiniões
bem
formadas
quanto
à
partilha
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
o
que
foi
que
deu
em
vocês
?
Vamos
parar
de
brigar
?
Vocês
querem
começar
a
partilha
aqui
?
Vamos
dividir
o
que
?
As
coroas
,
as
velas
,
a
mamãe
?
(
Ouvem-se
uns
psius
,
vindos
das
capelas
ao
lado
.
Elas
param
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Meu
Deus
,
que
vergonha
!
Tá
Está
todo
mundo
olhando
pra
para
cá
.
Olha
o
show
que
a
gente
está
dando
...
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Olhando
)
Olha
só
a
cara
do
padre
...
Mais
uma
palavra
e
estamos
todas
excomungadas
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
o
nosso
padre
,
onde
é
que
anda
?
Eu
vou
reclamar
na
cúria
.
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Acende
um
cigarro
)
Eles
devem
estar
com
falta
de
padre
.
Aquele
ali
já
encomendou
uns
três
que
eu
vi
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Será
que
os
padres
estão
em
greve
?
(
Elas
começam
a
ter
vontade
de
rir
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Gente
,
para
.
Vamos
acabar
apanhando
daquele
povo
ali
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Lembra
do
enterro
da
tia
Rita
?
A
Regina
foi
com
a
fantasia
debaixo
da
capa
de
chuva
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
A
mamãe
nos
obrigou
a
ir
.
Coitada
da
tia
Rita
.
Morreu
em
plena
segunda-feira
de
carnaval
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Acompanhamos
o
enterro
com
uma
batucada
.
A
tia
Rita
era
tão
metida
à
besta
,
tão
cheia
de
frescura
...
(
Lembrando
)
A
gente
fazendo
cara
de
tristeza
e
o
samba
comendo
solto
na
rua
.
(
Ela
ri
)
SELMA .
Selma
SELMA.
E
você
vestida
de
odalisca
,
apertando
a
capa
de
chuva
,
pro
para o
para
o
povo
não
ver
.
A
maquiagem
toda
borrada
,
um
bafo
de
cerveja
que
Deus
me
livre
.
Regina
,
você
era
de
morte
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tinha
combinado
com
o
Cláudio
.
Ele
tava
estava
me
esperando
na
porta
do
Clube
Militar
.
Como
é
que
eu
ia
adivinhar
que
a
tia
Rita
ia
morrer
justo
naquela
noite
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Nós
todas
no
velório
e
você
de
odalisca
no
baile
do
Clube
Militar
.
Ah
,
meu
Deus
...
(
Elas
riem
)
(
Ouve-se
um
sino
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Acho
que
é
nosso
padre
.
(
Elas
olham
.
Um
tempo
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Baixo
)
Meio-padre
,
você
quer
dizer
.
É
praticamente
um
anão
,
né
?
(
Elas
se
controlam
com
um
ataque
de
riso
galopante
.
Cada
um
vai
prum
para um
para
um
canto
,
tentando
não
olhar
a
outra
.
Um
tempo
.
Depois
,
já
controladas
,
elas
se
reúnem
no
centro
,
rezando
em
voz
baixa
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Sabe
que
às
vezes
,
quando
eu
era
menina
e
vocês
saíam
com
a
mamãe
pruma
para uma
para
uma
festa
ou
outra
,
eu
ficava
na
cama
,
pensando
:
e
se
alguma
coisa
acontecer
e
a
mamãe
nunca
mais
voltar
pra
para
casa
?
Eu
tinha
uma
espécie
de
terror
de
que
ela
não
pudesse
voltar
pra
para
casa
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Agora
,
você
tem
certeza
:
ela
não
vai
mais
voltar
pra
para
casa
.
(
Ouve-se
outro
sino
.
Música
.
Elas
ficam
juntas
,
em
silêncio
.
Um
tempo
.
Selma
cobre
o
rosto
e
subitamente
começa
a
chorar
.
Regina
a
abraça
,
comovida
.
Ficam
juntas
,
redescobrindo
uma
intimidade
que
,
na
verdade
,
nunca
se
perdeu
.
A
luz
cai
em
resistência
.
Ainda
no
escuro
,
ouve-se
uma
voz
,
que
anuncia
.
)
VOZ .
Voz
VOZ.
(
OFF
)
Maria
Lúcia
de
Mendes
Lima
,
Regina
Mendes
Fonseca
,
Selma
Mendes
da
Cunha
e
Laura
Mendes
,
agradecem
as
manifestações
de
carinho
e
conforto
recebidas
pelo
falecimento
de
sua
amada
mãe
e
convidam
para
a
missa
,
a
ser
celebrada
na
próxima
quinta-feira
,
às
10
horas
,
na
Matriz
do
Sagrado
Coração
da
Tijuca
,
à
Rua
Conde
de
Bonfim
,
nº
número
474
.
FIM
Fim
DO
do
PRÓLOGO
prólogo
(
A
luz
,
logo
após
o
fim
do
prólogo
,
revela
a
sala
de
estar
de
um
amplo
apartamento
,
em
Copacabana
.
A
maior
parte
dos
móveis
já
se
foi
,
revelando
buracos
,
deixando
uma
atmosfera
melancólica
,
que
paira
sobre
a
cena
.
Um
velho
móvel
de
hi-fi
,
um
velho
sofá
coberto
por
uma
colcha
de
chenille
,
um
Dunkerke
com
um
espelho
em
cima
,
alguns
quadros
na
parede
,
uma
ou
duas
mesinhas
com
objetos
de
arte
.
Nada
que
consiga
preencher
o
vazio
que
se
formou
.
Um
ou
outro
foco
de
mofo
é
visível
.
Regina
está
sentada
no
sofá
,
conferindo
uma
lista
.
Maria
Lúcia
entra
,
com
uma
bandeja
e
um
serviço
de
chá
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
tinha
que
ser
na
Tijuca
?
Selma
tem
cada
ideia
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ela
disse
que
já
que
foi
ela
que
marcou
a
missa
,
ia
fazer
bem
perto
da
casa
dela
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Aquela
não
vai
mudar
nunca
...
(
Consulta
a
lista
)
A
Diana
Caçadora
em
bronze
,
que
fim
levou
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Acabei
de
achar
.
Dentro
do
armário
da
mamãe
,
enrolada
num
lençol
imundo
.
Como
é
que
ela
foi
parar
lá
,
só
Deus
sabe
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mamãe
ficou
com
mania
de
que
estavam
roubando
tudo
.
Coitada
...
(
Percebe
o
aparelho
de
chá
)
Onde
foi
que
você
achou
isso
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Dentro
do
armário
da
mamãe
,
também
.
(
Lembra
)
O
jogo
de
chá
do
Toddy
!
Você
lembra
?
REGINA .
Regina
REGINA.
E
eu
podia
esquecer
?
Você
me
obrigou
a
beber
litros
de
Toddy
pra
para
conseguir
ganhar
essa
louça
.
Não
sei
como
não
arruinou
de
vez
com
a
minha
pele
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Se
o
álcool
não
estragou
,
não
haveria
de
ser
o
Toddy
.
(
Examina
o
aparelho
)
Pena
que
só
sobrou
isso
.
REGINA .
Regina
REGINA.
E
mesmo
assim
,
tá
está
tudo
rachado
.
Não
vamos
conseguir
vender
.
Eu
fiz
uma
lista
pra
para
organizar
a
bagunça
.
Fica
mais
fácil
a
gente
ver
o
que
foi
que
Selma
ainda
não
vendeu
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
eu
saiba
,
ela
só
vendeu
os
móveis
e
os
eletrodomésticos
.
O
que
conseguiu
vender
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
,
escuta
só
:
dois
tapetes
chineses
,
um
tapete
Sta
Santa
Helena
,
três
mesinhas
de
Baulle
,
o
Dunkerke
mais
o
espelho
francês
,
de
que
século
é
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Dezoito
.
Cresci
ouvindo
isso
.
(
Regina
anota
.
Tempo
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
O
que
é
que
tá
está
acontecendo
com
a
Selma
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Tá
Está
de
mal
com
a
vida
.
Tá
Está
cheia
do
marido
,
dos
filhos
,
não
consegue
ver
horizonte
nenhum
na
frente
dela
.
Eu
já
vi
esse
filme
e
você
também
.
Só
que
nós
separamos
,
começamos
tudo
outra
vez
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Erramos
tudo
outra
vez
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Isso
.
Mas
,
de
qualquer
maneira
,
erra
tudo
outra
vez
já
é
lucro
.
Outra
vez
são
duas
palavras
mágicas
.
O
chato
é
que
conforme
os
anos
vão
passando
,
fica
mais
difícil
dizer
“outra
vez”
.
A
Selma
nunca
disse
.
Deve
ser
por
isso
que
ela
está
assim
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Ela
me
contou
que
não
aguenta
mais
o
Luiz
Fernando
.
Disse
que
de
manhã
,
quando
ele
limpa
a
garganta
no
banheiro
,
ela
tem
vontade
de
sumir
.
E
ela
me
disse
com
um
brilho
assassino
nos
olhos
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
É
a
velha
história
do
carrati
.
Quem
é
que
falava
isso
mesmo
?
Que
a
mulher
não
aguentava
o
marido
comendo
bolacha
,
porque
ele
fazia
carrati
,
carrati
,
carrati
.
Ô
,
Regina
,
nada
muda
.
E
o
pior
é
que
a
gente
continua
a
viver
,
como
se
ainda
fosse
ter
uma
“outra
vez”
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Bom
,
mas
nós
tivemos
nossa
“outra
vez”
.
A
sua
até
que
deu
certo
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Deu
.
(
Pensa
)
Bom
,
mas
também
o
Jean
Claude
é
francês
,
tem
outros
hábitos
.
Eu
passei
dois
anos
só
tentando
entender
o
que
era
que
ele
queria
me
dizer
,
já
fui
ganhando
tempo
;
depois
de
dois
anos
é
que
nós
passamos
a
ter
uma
vida
de
casados
,
do
jeito
que
as
outras
pessoas
têm
.
A
verdade
,
Regina
,
é
que
eu
não
quero
mais
“outra
vez”
.
Eu
morro
de
saudades
daqui
,
tenho
saudades
do
meu
filho
,
de
vocês
,
mas
eu
não
ia
mais
conseguir
começar
uma
relação
nessa
altura
da
vida
.
E
sozinha
,
eu
não
sei
ficar
mesmo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tive
que
aprender
.
Na
marra
.
Meu
problema
é
que
eu
nunca
consegui
viver
com
alguém
que
realmente
amasse
.
Não
que
eu
ache
isso
mau
,
longe
disso
.
Eu
acho
até
que
o
único
casamento
realmente
bom
é
aquele
sem
amor
.
É
tão
melhor
não
se
preocupar
se
ele
chegou
tarde
,
se
ele
combinou
um
teatro
e
depois
não
quer
ir
mais
.
É
cômodo
.
Só
que
fica
faltando
alguma
coisa
e
a
gente
acaba
passando
um
bato
e
saindo
pra
para
procurar
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
sei
o
que
dizer
,
Regina
.
Eu
me
casei
apaixonada
.
Não
deu
certo
,
estou
tentando
uma
segunda
vez
.
Não
que
eu
seja
apaixonada
pelo
Jean
Claude
,
mas
nós
temos
nossos
encontros
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Sorte
a
sua
.
Eu
casei
porque
mamãe
adorava
o
Cláudio
e
parecia
a
coisa
mais
natural
do
mundo
naquela
época
.
Mesmo
depois
daquela
história
com
o
amigo
dele
–
aquilo
nunca
ficou
bem
explicado
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Nem
me
lembre
disso
...
a
verdade
é
que
vocês
conseguiram
manter
um
casamento
por
bastante
tempo
e
nenhuma
de
nós
acreditava
que
ele
fosse
durar
mais
de
uma
semana
.
(
Pausa
)
Ele
era
viado
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
sei
.
Quer
dizer
,
eu
acho
que
tinha
alguma
coisa
errada
com
ele
.
Mas
ele
era
um
bom
amante
e
foi
um
pai
carinhoso
enquanto
os
meninos
eram
pequenos
.
Tinha
as
suas
taras
,
mas
eu
acho
que
todo
mundo
tem
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Taras
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Ele
mijava
em
mim
.
(
Elas
fica
mudas
.
Se
olhando
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
ia
acreditar
,
se
você
tivesse
me
contado
naquela
época
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ninguém
ia
acreditar
.
Ninguém
sabia
que
essas
coisas
existiam
.
Você
pode
imaginar
papai
e
mamãe
ouvindo
isso
?
Eu
aguentei
o
possível
,
quando
os
meninos
cresceram
um
pouco
,
eu
pulei
fora
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Pensa
)
Será
que
ele
mijava
no
amigo
também
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
nunca
tive
vontade
de
perguntar
,
Maria
Lúcia
.
(
Neste
momento
,
Selma
entra
.
Ela
fica
visivelmente
perturbada
ao
ver
as
irmãs
por
ali
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Vocês
entraram
como
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tenho
uma
chave
.
E
a
Laurinha
tem
outra
,
se
eu
não
me
engano
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
sabia
.
Achei
que
vocês
nunca
vinham
ver
a
mamãe
com
medo
de
não
encontrar
ninguém
em
casa
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
vamos
começar
,
Selma
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
estou
começando
nada
.
Só
achei
estranho
vocês
duas
terem
a
chave
daqui
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
por
quê
?
Desde
quando
você
tem
o
monopólio
da
chave
da
casa
da
mamãe
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Desde
que
eu
fui
a
mais
sacrificada
,
quando
ela
ficou
doente
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ah
!
Selma
por
favor
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
vamos
começar
a
brigar
.
(
Prática
)
A
Regina
fez
uma
lista
das
coisas
que
nós
vamos
vender
,
ou
dividir
,
ou
sei
lá
o
quê
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Fez
porque
quis
.
(
Tira
uma
lista
da
bolsa
)
Eu
já
fiz
essa
lista
há
muito
tempo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
devia
ter
adivinhado
.
Vamos
conferir
as
listas
,
então
.
Vai
riscando
aí
na
tua
:
duas
ânforas
em
porcelana
de
Sèvres
,
uma
coluna
de
mármore
...
(
Laurinha
entra
,
cheia
de
papéis
,
pastas
,
etc.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
estou
atrasadíssima
,
já
sei
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Nós
íamos
começar
a
conferir
a
lista
das
coisas
que
sobraram
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Ótimo
.
(
Pausa
)
Passei
o
dia
todo
correndo
atrás
de
assinaturas
na
universidade
.
Vocês
acreditam
que
a
minha
tese
foi
recusada
sem
o
menor
fundamento
?
Quer
dizer
...
é
claro
que
eles
querem
a
cadeira
vaga
porque
a
amante
do
decano
está
concorrendo
comigo
,
mas
agora
as
coisas
vão
melhorar
.
Consegui
trinta
e
oito
assinaturas
de
ex-professores
,
profissionais
e
uma
carta
de
uma
editora
que
quer
publicar
a
minha
tese
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Sobre
o
que
é
a
sua
tese
,
Laurinha
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Sobre
o
riso
no
fim
do
milênio
.
Eu
parto
da
estética
fracionária
,
difundida
a
partir
dos
anos
sessenta
com
a
missificação
de
mídia
e
traço
um
paralelo
entre
a
manifestação
do
riso
como
forma
artística
e
os
comportamentos
do
grupo
social
nas
respectivas
épocas
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Deve
ser
interessante
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
você
nunca
ri
,
Laurinha
.
Como
é
que
foi
escrever
uma
coisa
sobre
riso
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
sou
uma
estudiosa
,
Maria
Lúcia
.
Não
sou
uma
palhaça
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Bom
,
vamos
conferir
as
listas
,
ou
não
vamos
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Vamos
lá
:
duas
ânforas
em
porcelana
de
Sèvres
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Já
risquei
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Uma
coluna
de
mármore
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Hum
hum
.
REGINA .
Regina
REGINA.
O
espelho
veneziano
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
o
papai
me
deu
,
quando
eu
fiquei
noiva
do
Rubinho
.
(
Silêncio
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Se
o
papai
te
deu
,
por
que
é
que
você
não
levou
,
quando
casou
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Sei
lá
...
não
combinava
com
a
decoração
do
apartamento
.
Mas
ele
me
deu
e
vocês
todas
sabem
disso
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
não
me
lembro
,
mas
não
vou
duvidar
de
você
.
Com
certeza
,
você
não
levou
com
medo
de
Rubinho
quebrar
,
não
foi
?
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Rubinho
quando
bebia
quebrava
tudo
.
Só
não
quebrava
a
cara
...
REGINA .
Regina
REGINA.
A
dele
,
né
?
Porque
a
da
Maria
Lúcia
ele
quebrou
umas
duas
vezes
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Que
fim
levou
o
Rubinho
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Tá
Está
muito
bem
.
Tá
Está
vivendo
com
uma
menina
de
dezoito
anos
–
eu
acho
que
é
porque
o
Mauricinho
cresceu
e
tá
está
pensando
em
ir
morar
uns
tempos
comigo
,
em
Paris
.
O
Rubinho
tá
está
com
medo
de
envelhecer
sozinho
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
ele
ainda
é
moço
.
Podia
ter
outro
filho
.
MARIA
Maria
LÚCIA
Lúcia
Eu
também
acho
.
Só
não
entendo
isso
:
se
ele
quer
outro
filho
,
que
tenha
um
,
não
precisa
se
casar
com
um
!
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Mauricinho
não
largou
a
faculdade
,
não
foi
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ele
quer
tocar
guitarra
.
O
Rubinho
nunca
teve
mão
forte
com
ele
.
Eu
também
,
admito
,
nunca
tive
talento
pra
para
educar
filho
.
Enfim
...
Se
ele
quer
mesmo
ser
músico
,
é
bom
que
vá
ficar
uns
tempos
comigo
em
Paris
.
Lá
pelo
menos
,
ele
vai
poder
tocar
em
qualquer
esquina
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ele
deve
ter
se
ressentido
muito
da
mãe
ter
largado
o
pai
,
pra
para
ir
morar
na
França
com
um
homem
que
ela
mal
conhecia
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
mais
do
que
a
irmã
cretina
que
passou
a
vida
socada
na
Tijuca
.
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Explode
)
Você
vê
como
fala
,
hein
?
Eu
não
sou
obrigada
a
ouvir
desaforos
!
Você
pensa
que
pode
vir
chegando
,
de
chapéu
e
tudo
,
pra
para
me
dizer
como
é
que
eu
devo
ou
não
viver
?
Cretina
é
a
mãe
!
Cretina
é
a
mãe
entendeu
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Que
Deus
a
tenha
!
Selma
,
fica
calma
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Por
quê
?
Por
que
eu
tenho
que
ficar
calma
?
A
Maria
Lúcia
vai
dizendo
o
que
quer
,
vai
ofendendo
todo
mundo
e
eu
tenho
que
ficar
calma
,
Regina
?
Não
!
Quem
foi
que
segurou
tudo
aqui
,
quando
nem
uma
enfermeira
se
conseguia
arranjar
,
hein
?
Quem
?
Eu
!
Enquanto
isso
,
dona
Maria
Lúcia
comprava
chapéu
em
Paris
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Explode
também
)
Mas
por
que
é
que
ela
implicou
com
o
meu
chapéu
?
O
que
que
o
meu
chapéu
tem
a
ver
com
isso
?
Você
é
louca
,
Selma
!
Louca
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
me
chama
de
louca
!
Não
me
chama
de
louca
!
(
Pausa
)
Eu
pelo
menos
tenho
a
consciência
tranquila
.
Não
abandonei
meu
filho
pra
para
fugir
com
um
homem
qualquer
e
nem
dei
o
desgosto
que
você
deu
à
mamãe
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
do
que
é
que
você
está
falando
?
Eu
não
fugi
com
homem
nenhum
.
Eu
me
apaixonei
por
um
homem
e
fui
viver
com
ele
.
Quando
eu
conheci
o
Jean
Claude
,
já
era
mulher
adulta
e
o
Mauricinho
já
tinha
idade
suficiente
pra
para
entender
o
que
estava
acontecendo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Tudo
bem
,
tudo
bem
...
isso
são
águas
passadas
.
É
claro
que
você
deu
desgosto
à
mamãe
,
Maria
Lúcia
,
mas
tudo
bem
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Isso
não
é
verdade
!
REGINA .
Regina
REGINA.
É
verdade
,
sim
.
Mamãe
sempre
achou
que
você
trabalhava
na
Madame
Claude
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
acredito
que
você
está
me
dizendo
isso
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Vocês
são
inacreditáveis
!
Eu
juro
!
Se
vocês
pudessem
se
ver
agora
,
não
iam
acreditar
no
que
estavam
vendo
.
Pelo
amor
de
Deus
!
Nós
somos
mulheres
adultas
,
irmãs
,
temos
um
objetivo
claro
:
vamos
dividir
o
que
tem
que
ser
dividido
,
vender
o
que
tem
que
ser
vendido
e
cada
uma
segue
o
seu
caminho
.
Tem
sido
assim
até
hoje
e
isso
nunca
nos
fez
mal
.
Eu
não
vou
ficar
aqui
,
vendo
vocês
gritarem
uma
com
a
outra
,
feito
umas
feirantes
histéricas
.
REGINA .
Regina
REGINA.
A
Laurinha
tem
razão
.
Vamos
acabar
de
conferir
a
lista
e
chamar
o
antiquário
que
disse
que
quer
comprar
o
lote
todo
.
Por
mim
,
o
espelho
veneziano
é
da
Maria
Lúcia
e
pronto
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Se
o
papai
deu
a
ela
,
é
dela
.
Não
entra
na
partilha
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Já
que
sou
minoria
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
está
resolvido
.
O
espelho
é
seu
,
Maria
Lúcia
.
(
Pausa
)
Só
tem
uma
coisa
que
eu
queria
saber
,
Maria
Lúcia
,
e
eu
juro
que
é
pura
curiosidade
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
O
que
é
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Se
o
Rubinho
não
tivesse
perdido
a
perna
naquele
acidente
no
bonde
,
você
não
casava
com
ele
,
casava
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
absurdo
,
Regina
.
Eu
me
casei
apaixonada
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Mamãe
nunca
perdoou
a
família
do
Rubinho
.
O
pai
dele
,
então
,
ela
tinha
horror
!
Eu
me
lembro
que
quando
o
Rubinho
sofreu
o
acidente
,
vocês
eram
noivos
,
a
mamãe
foi
falar
com
o
pai
dele
,
achando
que
era
melhor
vocês
terminarem
tudo
,
até
ver
como
as
coisas
iam
ficar
...
O
pai
dele
foi
tão
grosseiro
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Todo
mundo
já
conhece
essa
história
,
Selma
...
SELMA .
Selma
SELMA.
O
pai
dele
disse
pra
para
mamãe
:
minha
senhora
,
meu
filho
perdeu
a
perna
,
não
perdeu
a
pica
!
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Ri
)
Eu
imagino
a
cara
da
mamãe
ouvindo
isso
!
Que
coisa
mais
cafajeste
,
meu
Deus
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Você
fala
como
se
a
família
do
Luiz
Fernando
fosse
um
primor
de
educação
.
Lembra
quando
a
mãe
dele
cuspiu
a
queijadinha
no
tapete
da
sala
?
Foi
no
seu
noivado
,
eu
acho
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ela
era
alérgica
a
queijo
.
O
que
era
que
ela
podia
fazer
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Isso
sem
falar
que
ali
,
todo
mundo
era
meio
...
(
Esfrega
o
dedo
na
pele
,
indicando
cor
)
Mamãe
fez
até
novena
,
com
medo
de
ter
noiva
pixaim
!
SELMA .
Selma
SELMA.
É
verdade
!
Meu
Deus
,
que
horror
!
E
o
pior
é
que
fui
com
ela
.
(
Pausa
)
Mas
adiantou
,
não
adiantou
?
A
Simone
tem
cabelo
escorrido
de
tão
liso
...
(
Pausa
)
o
espelho
é
seu
,
Maria
Lúcia
.
Eu
lembro
que
o
papai
te
deu
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Bom
,
isso
está
resolvido
,
então
.
Continua
,
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
As
três
mesinhas
de
Baulle
são
lindas
,
eu
acho
uma
pena
vender
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
A
gente
podia
sortear
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Não
é
justo
.
E
além
do
mais
,
elas
são
três
não
dá
pra
para
dividir
.
O
melhor
é
a
gente
vender
tudo
e
dividir
o
dinheiro
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Alguma
coisa
daqui
eu
vou
querer
guardar
.
Eu
não
quero
me
desfazer
de
tudo
,
como
se
nada
tivesse
tido
importância
na
minha
vida
.
Eu
acho
bom
a
gente
entrar
num
acordo
e
cada
uma
escolher
o
que
quer
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
tem
razão
...
Sabe
que
eu
tô
estou
até
te
estranhando
,
Selma
...
Você
ultimamente
tem
sido
tão
sensata
,
tão
ponderada
...
SELMA .
Selma
SELMA.
A
gente
muda
,
Laurinha
.
A
vida
vai
passando
,
a
gente
vai
pesando
os
prós
,
os
contras
,
vai
contando
as
rugas
,
e
vai
mudando
.
O
tratamento
tem
me
ajudado
muito
,
também
.
(
Ela
para
.
Percebe
que
falou
demais
.
)
REGINA
Regina
Mas
então
é
isso
.
Eu
bem
que
desconfiei
...
Você
falando
palavrão
,
agredindo
todo
mundo
,
tendo
crises
de
autocrítica
.
Gente
,
Selma
tá
está
fazendo
terapia
!
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Concorda
)
Três
vezes
por
semana
.
Uma
psicóloga
que
me
indicaram
,
lá
na
Tijuca
mesmo
.
LAURA .
Laura
LAURA.
E
o
Luiz
Fernando
concorda
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Ele
tinha
que
concordar
.
Ou
eu
fazia
alguma
coisa
,
ou
ia
embora
.
Do
jeito
que
as
coisas
estavam
,
não
adiantava
continuar
.
(
Pausa
)
Ele
caiu
na
compulsória
,
vocês
sabem
...
O
pior
é
que
ele
queria
muito
ser
coronel
,
coitado
.
Ficou
deprimido
,
começou
a
transferir
o
quartel
para
dentro
de
casa
.
No
começo
,
eu
achei
que
era
uma
fase
,
depois
comecei
a
me
preocupar
,
quando
ele
etiquetou
todos
os
armários
da
casa
.
Eu
via
a
hora
dele
grudar
uma
etiqueta
em
mim
.
Ai
,
eu
estava
me
sentindo
tão
mal
...
(
Pausa
)
O
Luiz
Fernando
está
tão
envelhecido
,
a
gente
nem
lembra
mais
do
jeito
que
ele
era
...
LAURA .
Laura
LAURA.
E
ele
foi
bonito
!
Eu
lembro
quando
ele
apareceu
na
praia
,
eu
devia
ter
um
que
?
Uns
sete
anos
...
Vocês
ficaram
loucas
!
MARIA
Maria
LÚCIA –
Lúcia
LÚCIA–
Eu
,
não
!
Já
era
noiva
do
Rubinho
nessa
época
.
Regina
e
Selma
é
que
arrastaram
a
asa
pra
para
cima
dele
.
SELMA –
Selma
SELMA–
Mas
ele
,
ó
:
nem
te
ligou
pra
para
Regina
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
é
verdade
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Como
não
?
Eu
estou
até
vendo
:
uma
noite
a
gente
saiu
da
boate
e
você
ficou
furiosa
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
!
Vocês
sumiram
,
eu
fiquei
preocupada
.
Eu
me
lembro
dessa
noite
.
A
noite
em
que
você
deu
pra
para
ele
.
SELMA –
Selma
SELMA–
Eu
não
dei
pra
para
ele
,
naquela
noite
.
Aliás
,
eu
nunca
dei
pro
para o
para
o
Luiz
Fernando
antes
de
casar
.
(
Pausa
)
Devia
ter
dado
.
REGINA –
Regina
REGINA–
Eu
podia
jurar
que
você
tinha
dado
.
Se
eu
soubesse
,
eu
tinha
te
avisado
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Avisado
do
que
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Que
ele
era
um
desastre
na
cama
.
(
Pausa
)
Eu
dei
pra
para
ele
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
o
que
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Vocês
nem
eram
namorados
ainda
,
Selma
.
Não
vai
pensar
besteira
...
SELMA –
Selma
SELMA–
Você
nunca
me
contou
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Por
que
é
que
foi
contar
agora
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Achei
que
ia
gostar
de
saber
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
gostei
de
saber
.
(
Pausa
)
Ou
melhor
,
eu
gostei
de
saber
que
eu
sempre
tive
razão
e
que
eu
você
sempre
foi
a
vaca
que
eu
achei
que
você
era
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
me
culpe
pela
vida
que
você
não
teve
,
Selma
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Que
vida
,
Regina
?
Nada
do
que
você
fez
deu
certo
!
Papai
gastou
uma
fortuna
,
quando
você
se
formou
,
montando
um
consultório
e
você
largou
tudo
em
menos
de
dois
anos
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
descobri
que
nunca
seria
uma
psicóloga
.
Se
bem
que
,
olhando
pra
para
você
,
eu
acho
que
sou
ótima
!
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Cláudio
era
apaixonado
por
ela
.
Fazia
todas
as
vontades
,
mas
ela
quis
se
separar
,
bateu
o
pé
e
depois
largou
os
meninos
com
a
mamãe
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
precisava
me
separar
,
Selma
.
Eu
tinha
motivos
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Que
motivos
?
Que
motivos
,
Regina
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ele
mijava
nela
.
(
Silêncio
.
Mal
parado
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
É
verdade
?
REGINA .
Regina
REGINA.
É
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
acredito
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Como
não
acredita
?
Você
acha
que
a
Regina
ia
inventar
que
o
Cláudio
andava
mijando
nela
,
assim
,
à
toa
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Regina
é
capaz
de
tudo
.
Eu
sei
muito
bem
as
coisas
que
ela
é
capaz
de
fazer
,
quando
quer
chamar
a
atenção
.
Passou
a
vida
se
metendo
e
tudo
que
se
possa
imaginar
:
foi
antiquária
,
marchand
,
até
uma
loja
de
congelados
ela
teve
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
sabia
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ela
mandou
bobó
pra
para
mim
!
Uma
porcaria
que
nem
o
cachorro
comeu
.
(
Pausa
)
Meu
Deus
,
que
nojo
do
Luiz
Fernando
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Você
já
acabou
?
Eu
não
me
incomodo
de
você
projetar
em
mim
suas
frustrações
,
mas
agora
,
já
chega
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
vem
fazendo
esses
ares
superiores
que
eu
te
conheço
bem
...
Agora
,
anda
por
aí
,
enganando
os
trouxas
,
jogando
tarô
,
seguindo
o
tal
mestre
.
E
o
pior
é
que
a
Simone
vai
atrás
dela
.
(
Selma
quase
chora
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Perdendo
a
paciência
)
Acabou
ou
não
acabou
?
Eu
não
tenho
culpa
da
sua
filha
gostar
de
mim
.
Ela
é
minha
afilhada
,
eu
gosto
dela
e
gosto
mais
ainda
de
saber
que
ela
não
vai
ser
como
você
,
uma
caretona
,
uma
babaca
que
não
sabe
comprar
um
sapato
sozinha
.
E
para
de
pegar
no
meu
pé
,
ou
eu
te
quebro
a
cara
,
viu
,
Selma
?
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Exulta
)
Taí
Está
Está aí
aí
!
Taí
Está
Está aí
aí
a
verdadeira
,
Regina
!
Ela
gosta
tanto
da
sobrinha
que
levou
ela
prum
para um
para
um
encontro
esotérico
em
Mauá
e
...
(
Ela
cobre
o
rosto
)
Ah
!
Meu
Deus
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Selma
,
fica
calma
,
o
que
foi
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Ela
tá
está
grávida
.
Engravidou
do
tal
mestre
que
cospe
flores
.
(
Pausa
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Isso
também
não
é
o
fim
do
mundo
,
Selma
.
Tem
solução
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Ela
se
recusa
a
tirar
.
Diz
que
a
criança
tem
uma
missão
especial
na
terra
.
Mas
até
agora
,
a
única
missão
especial
que
eu
consigo
ver
é
a
minha
:
vou
ser
babá
de
um
iluminado
!
Isso
se
o
Luiz
Fernando
não
matar
a
Simone
,
quando
souber
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Ela
vai
ter
que
entender
.
É
uma
questão
de
como
as
coisas
são
colocadas
,
Selma
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ela
tem
quinze
anos
,
Laurinha
.
Quinze
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Mesmo
assim
.
Você
tem
que
dar
uma
força
pra
para
ela
e
o
Luiz
Fernando
que
se
foda
!
Você
fica
aí
,
falando
,
falando
,
e
eu
não
te
reconheço
mais
.
Eu
olho
pra
para
você
e
não
consigo
ver
aquelas
mulheres
que
foram
tão
importantes
pra
para
mim
,
numa
época
da
minha
vida
.
Vocês
não
eram
assim
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
fala
do
que
você
não
conhece
,
Laurinha
.
A
sua
vida
foi
completamente
diferente
.
Você
foi
temporã
,
viveu
solitária
,
não
dividiu
nada
com
ninguém
.
Nem
mesmo
a
sua
vida
.
É
uma
opção
sua
,
tudo
bem
,
mas
não
fala
do
que
você
não
conhece
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
posso
não
ter
me
casado
,
mas
isso
não
quer
dizer
nada
.
SELMA –
Selma
SELMA–
Sabe
que
já
faz
algum
tempo
,
a
Simone
me
perguntou
:
mamãe
,
a
tia
Laurinha
é
sapatão
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
está
me
perguntando
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
...
Não
tenho
nada
a
ver
com
sua
vida
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Porque
se
você
quiser
,
eu
posso
falar
da
minha
vida
numa
boa
.
Eu
não
demorei
tanto
tempo
pra
para
buscar
auxílio
médico
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ninguém
está
interessado
,
Laurinha
.
A
sua
vida
é
problema
seu
.
LAURA .
Laura
LAURA.
A
minha
vida
é
um
problema
?
(
Sorri
)
Talvez
,
seja
mesmo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
O
que
você
faz
,
ou
deixa
de
fazer
,
não
diz
respeito
a
ninguém
,
foi
isso
o
que
eu
quis
dizer
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
sei
disso
,
Regina
.
Melhor
do
que
ninguém
.
Quando
eu
precisei
,
nenhuma
de
vocês
correu
pra
para
mim
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
nunca
disse
que
precisava
de
mim
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Nem
de
mim
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Bom
,
eu
moro
em
Paris
.
Não
dá
pra
para
correr
pra
para
você
.
Fica
um
cooper
um
tanto
quanto
longo
.
E
eu
nunca
soube
que
você
estava
precisando
de
mim
ou
de
nenhuma
de
nós
.
Você
sempre
foi
tão
fechada
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
liguei
pra
para
você
,
Maria
Lúcia
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Quando
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
lembra
,
que
eu
sei
...
Eu
estava
chegando
do
hospital
e
eles
tinha
tinham
me
dito
que
a
Nina
não
ia
passar
daquela
semana
.
Eu
liguei
pra
para
você
nessa
noite
.
Você
e
o
Jean
Claude
estavam
dando
um
jantar
,
você
não
me
deu
a
menor
atenção
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
me
lembro
sim
.
Você
me
disse
que
estava
deprimida
.
E
daí
?
Você
sempre
foi
uma
menina
esquisita
,
passou
metade
da
sua
vida
deprimida
.
Eu
não
achei
nada
estranho
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Nenhuma
de
nós
podia
adivinhar
,
Laurinha
.
Nenhuma
de
nós
tem
o
dom
de
desvendar
os
seus
mistérios
.
(
Pausa
)
Era
natural
que
você
estivesse
sofrendo
,
porque
sua
amiga
estava
doente
.
Vocês
dividiam
apartamento
e
...
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Corta
)
Ela
não
era
só
uma
amiga
.
(
Pausa
.
Para
Selma
)
Respondi
à
sua
pergunta
,
Selma
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
prefiro
não
falar
sobre
isso
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Claro
que
não
.
Ninguém
quer
falar
sobre
isso
.
Na
noite
que
ela
morreu
,
eu
voltei
para
casa
com
uma
amiga
.
Eu
não
consegui
dormir
,
nem
com
todos
os
calmantes
que
tomei
.
Minha
amiga
ficou
assistindo
televisão
.
Tava
Estava
passando
um
filme
com
a
Claudette
Colbert
e
a
Jennifer
Jones
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Desde
que
partistes
.
Eu
sempre
choro
,
quando
vejo
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Só
que
eu
não
chorei
.
Eu
não
consegui
chorar
,
queria
sentir
pena
de
mim
mesma
,
queria
ter
alguém
do
meu
lado
,
uma
de
vocês
,
até
.
Mas
eu
não
chorei
,
porque
eu
tinha
perdido
uma
amiga
,
como
a
Regina
diz
,
e
uma
amiga
não
é
o
bastante
para
que
uma
irmã
saia
de
casa
pra
para
abraçar
a
outra
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
sabia
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Tem
uma
cena
nesse
filme
,
eu
não
me
lembro
mais
por
que
,
mas
o
noivo
de
Jennifer
Jones
morre
.
Aí
,
ela
entra
correndo
na
sala
,
abraça
a
Claudette
Colbert
e
fica
chorando
.
E
a
Claudette
Cobert
,
com
aquela
cara
iluminada
,
diz
:
eu
não
vou
mentir
pra
para
você
.
Não
vai
passar
nunca
.
(
Pausa
)
Sabe
que
ela
tinha
razão
.
Não
passa
nunca
.
(
Pausa
.
Elas
fica
ficam
em
silêncio
.
Música
.
A
luz
cai
em
resistência
.
)
CENA
II
(
Outro
dia
,
num
fim
de
tarde
,
quase
noite
.
O
Dukerke
e
o
espelho
já
se
foram
,
assim
como
alguns
quadros
revelando
novas
manchas
nas
paredes
.
Ao
acender
das
luzes
,
Regina
está
sentada
no
chão
às
gargalhadas
.
Maria
Lúcia
em
pé
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Agora
,
você
imagina
:
aquela
francesa
mal-humorada
,
querendo
matar
todos
os
turistas
de
Paris
e
tia
Helena
gritando
feito
uma
louca
.
Foi
uma
cena
inacreditável
!
O
supermercado
inteiro
se
aproximou
para
ver
o
que
estava
acontecendo
.
A
francesa
olhava
abestada
e
tia
Helena
batia
com
a
mão
na
perna
e
falava
bem
explicadinho
:
ca-ne-la
,
minha
filha
.
Eu
quero
ca-ne-la
.
(
Elas
morrem
de
rir
.
Selma
entra
.
Para
um
instante
,
observa
as
irmãs
rindo
e
,
imediatamente
fica
ofendida
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Estão
rindo
de
quem
?
(
Elas
param
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
que
mania
,
Selma
!
Por
que
de
quem
?
Por
que
é
que
você
não
pergunta
estão
rindo
de
que
?
Como
você
é
perseguida
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
conheço
vocês
duas
muito
bem
.
(
Selma
tira
um
papel
da
bolsa
e
começa
a
anotar
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
O
que
é
que
você
está
escrevendo
aí
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
agora
anoto
tudo
.
Tudo
.
Minha
psicóloga
mandou
.
Se
eu
não
anotar
,
eu
acabo
esquecendo
.
E
eu
não
quero
esquecer
como
estou
me
sentindo
agora
.
Excluída
.
Deixada
de
lado
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
,
pelo
amor
de
Deus
!
A
Maria
Lúcia
estava
me
contando
uma
história
de
tia
Helena
.
Ninguém
estava
rindo
de
você
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
é
que
sei
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ah
...
Então
deixa
ela
anotar
.
Anota
,
Selma
.
Escreve
o
que
quiser
.
(
Para
Regina
)
Ela
tá
está
atrás
de
um
motivo
pra
para
se
sentir
mal
...
(
Selma
a
olha
e
continua
a
anotar
furiosamente
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Excluída
é
com
X
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Além
de
neurótica
é
ignorante
.
(
Ri
)
Pronto
,
já
te
dei
motivo
pra
para
escrever
um
livro
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Engraçadinha
.
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Você
não
devia
ter
parado
o
Normal
,
Selma
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
estou
achando
graça
.
(
Selma
vai
até
onde
ficava
o
espelho
e
só
então
se
dá
conta
de
que
ele
não
está
mais
lá
.
)
Essa
casa
fica
muito
estranha
sem
o
espelho
.
A
gente
não
devia
ter
vendido
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
agora
já
vendemos
.
A
Laurinha
ficou
de
trazer
o
dinheiro
.
(
Pausa
)
Essa
casa
vai
ficar
estranha
pra
para
sempre
.
Eu
tenho
a
impressão
de
que
depois
de
nós
,
nenhuma
alma
vai
habitar
aqui
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Já
ouvi
isso
em
algum
lugar
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
também
.
(
Pausa
)
Há
que
horas
a
Laurinha
disse
que
vinha
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
sei
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ninguém
quer
conversar
sobre
a
Laurinha
,
quer
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Vamos
mudar
de
assunto
?
Mesmo
porque
,
eu
não
sei
como
é
essa
história
de
mulher
com
mulher
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Dá
jacaré
.
(
Ri
)
Mas
eu
juro
que
não
entendo
.
Homem
é
tão
bom
!
MARIA
Maria
Lúcia
.
Você
pode
falar
de
cadeira
,
né
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Podemos
.
Macaco
olha
o
teu
rabo
...
Você
e
Judith
viviam
dando
voltas
e
mais
voltas
.
Deus
sabe
onde
!
Que
fim
levou
a
Judith
,
hein
?
Ela
era
tão
sua
amiga
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ela
tá
está
muito
bem
.
Encontrei
com
ela
Paris
,
há
uns
dois
meses
.
Ela
é
aeromoça
.
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Ri
)
Aeromoça
,
não
,
Maria
Lúcia
!
A
Judith
foi
sua
colega
de
ginásio
.
Ela
é
aerovelha
e
olha
lá
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Você
quer
anotar
mais
umas
gracinhas
pra
para
sua
psicóloga
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Nossa
que
falta
de
senso
de
humor
.
(
Pausa
)
Mamãe
era
louca
pela
Judith
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
!
A
Judith
era
lacerdista
doente
!
Igualzinha
à
mamãe
.
Aliás
eu
sempre
fui
uma
exceção
nessa
casa
de
reacionárias
.
Desabrochei
à
custa
de
muita
porrada
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Você
vai
me
contar
a
história
da
sua
vida
,
Regina
?
Pra
mim
?
Você
se
metia
nas
passeatas
porque
o
Cláudio
era
comunista
.
Pelo
menos
era
o
que
ele
dizia
na
época
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ele
sempre
foi
comunista
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Com
todos
aqueles
apartamentos
alugados
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
isso
é
típico
de
vocês
.
Vocês
têm
uma
visão
tão
definida
do
mundo
,
mas
são
incapazes
de
perceber
que
dois
e
dois
não
somam
quatro
necessariamente
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Dois
e
dois
são
quatro
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tinha
esquecido
que
você
não
chegou
a
terminar
o
Normal
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
terminei
o
Normal
,
mas
isso
nunca
me
impediu
de
ver
as
coisas
.
A
Maria
Lúcia
tem
razão
:
você
sempre
quis
ser
diferente
.
Sempre
.
REGINA .
Regina
REGINA.
E
você
acha
mau
eu
querer
ser
diferente
de
você
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Pode
me
ofender
.
Pode
falar
o
que
quiser
.
Eu
estou
começando
a
te
conhecer
,
Regina
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Demorou
,
hein
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Regina
...
não
adianta
você
tentar
inventar
outra
historia
pra
para
nós
.
O
livro
da
tua
vida
tem
vários
capítulos
conosco
,
quer
você
queira
,
ou
não
.
A
verdade
é
que
me
lembro
que
você
dizia
que
ia
às
passeatas
,
porque
acabava
correndo
da
polícia
e
emagrecia
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Viu
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Viu
o
que
,
Selma
?
Há
quanto
tempo
foi
isso
?
Vinte
?
Vinte
e
cinco
anos
?
Eu
vi
muitas
coisas
nesse
tempo
...
Você
se
lembra
da
gente
há
vinte
anos
atrás
?
SELMA .
Selma
SELMA.
É
claro
que
eu
lembro
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
para
e
pensa
um
pouco
.
Que
importância
tem
você
ter
feito
as
besteiras
que
você
fez
naquela
época
?
Com
exceção
do
meu
casamento
,
que
você
arrasta
até
hoje
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Chega
,
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
,
Maria
Lúcia
.
Não
chega
,
não
.
Quando
é
que
vamos
estar
juntas
outra
vez
?
SELMA .
Selma
SELMA.
E
que
importância
tem
isso
?
(
Pausa
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Boa
pergunta
.
E
que
importância
tem
isso
agora
?
Que
importância
tem
feito
os
absurdos
que
fez
,
porque
estava
apaixonada
pelo
Luiz
Fernando
?
Selma
,
você
não
ia
nem
a
balé
,
porque
era
russo
!
E
que
importância
tem
isso
?
Você
estava
apaixonada
por
ele
e
aquilo
te
parecia
natural
.
E
que
importância
tem
isso
agora
?
Ele
envelheceu
,
caiu
na
compulsória
e
você
pode
ir
aonde
quiser
,
ninguém
está
ligando
...
E
que
importância
tem
isso
,
agora
?
Eu
ia
pros
para os
para
os
comícios
porque
queria
me
exibir
pro
para o
para
o
Cláudio
,
Maria
Lúcia
casou
com
o
Rubinho
porque
ele
perdeu
a
perna
e
você
largou
o
Normal
porque
o
Luiz
Fernando
te
pediu
.
E
que
importância
tem
isso
?
A
minha
empresa
de
congelados
não
deu
certo
,
mas
e
daí
?
Não
me
olha
assim
,
Maria
Lúcia
.
A
gente
se
vê
tão
pouco
e
fica
imaginando
que
a
sua
vida
é
tão
melhor
do
que
a
nossa
,
a
Selma
esperou
quantos
anos
pra
para
descobrir
que
ela
não
é
tão
burra
quanto
pensa
e
que
importância
tem
isso
,
agora
?
É
só
olhar
pra
para
esse
apartamento
.
Pro
Para o
Para
o
que
sobrou
dele
.
(
Ela
respira
)
A
Laurinha
que
a
gente
maquiava
,
que
a
gente
dizia
que
ia
ser
miss
,
gosta
de
mulher
.
E
que
importância
tem
isso
?
Nós
estamos
aqui
novamente
,
juntas
,
com
a
diferença
que
a
gente
achava
que
tudo
ia
dar
certo
,
que
o
Brasil
ia
dar
certo
e
agora
a
gente
não
se
pergunta
mais
.
A
gente
toca
o
barco
antes
que
ele
afunde
.
(
Um
tempo
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
não
acho
que
a
minha
vida
tenha
dado
errado
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
não
estou
falando
da
sua
vida
.
Estou
falando
da
nossa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
devia
ter
terminado
o
Normal
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
ia
adiantar
nada
.
Pode
acreditar
em
mim
.
(
Ela
vai
se
olhar
no
espelho
e
percebe
que
já
se
foi
)
A
gente
não
devia
ter
vendido
o
espelho
.
(
Um
tempo
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Era
do
século
dezoito
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Nós
crescemos
ouvindo
isso
.
(
Elas
sorriem
uma
para
outra
.
Entra
Laurinha
com
duas
pizzas
na
mão
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
O
homem
pagou
direitinho
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Em
dólar
!
Tá
Está
aqui
,
ó
:
mil
,
duzentos
e
cinquenta
pra
para
cada
uma
,
o
resto
ele
paga
semana
que
vem
.
Comprei
até
umas
pizzas
pra
para
a
gente
comemorar
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Tô
Estou
morta
de
fome
.
Trouxe
de
que
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Um
pouco
de
cada
,
porque
definitivamente
nós
temos
gostos
diferentes
.
Mas
eu
lembrei
que
a
Regina
é
louca
por
aliche
.
(
Elas
sentam
no
chão
e
abre
abrem
as
pizzas
.
Comem
na
mão
mesmo
,
com
guardanapos
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
sei
como
você
consegue
comer
aliche
.
Eu
fico
toda
inchada
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Por
falar
nisso
,
eu
também
preciso
anotar
.
Eu
anoto
tudo
,
viu
,
Selma
?
Mas
só
que
eu
como
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Um
vinhozinho
caía
bem
...
Será
que
não
tem
nenhum
por
aí
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Só
se
tiver
no
aparador
da
sala
.
Ninguém
conseguiu
achar
a
chave
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Vamos
arrombar
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
por
que
não
?
Vamos
arrombar
de
uma
vez
!
O
móvel
está
caindo
aos
pedaços
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
vou
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
vou
com
você
.
(
Sai
atrás
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
vou
aproveitar
e
falar
rapidinho
:
eu
tenho
sido
muito
agressiva
com
você
.
Com
todo
mundo
.
Me
desculpa
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Bobagem
.
A
gente
brigava
mais
quando
era
jovem
.
Até
para
isso
a
gente
fica
cansada
.
(
Ouve-se
um
barulho
.
Laurinha
grita
em
OFF
)
.
LAURA .
Laura
LAURA.
(
OFF
)
Tá
Está
cheio
de
vinho
.
Todos
franceses
.
SELMA .
Selma
SELMA.
O
papai
se
tratava
.
(
Regina
entra
com
duas
garrafas
e
copos
.
Laurinha
vem
depois
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Nossa
!
Nunca
pensei
que
o
papai
gostasse
tanto
de
beber
.
(
Elas
atacam
o
vinho
e
a
pizza
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
A
família
toda
.
Tia
Mirtes
,
coitada
,
acabou
com
cirrose
hepática
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
sei
.
A
Clarice
me
contou
que
o
fígado
dela
foi
endurecendo
,
endurecendo
,
no
final
,
parecia
um
ovo
de
costura
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Pior
foi
a
Lavínia
.
Aquela
penou
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
No
final
,
pra
para
respirar
tiveram
que
enfiar
um
tubo
.
Isso
sem
falar
que
o
corpo
ficou
uma
ferida
só
.
(
E
comem
e
bebem
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
O
tio
Heitor
morreu
de
que
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Foi
tifo
.
Bebeu
água
da
chuva
,
num
dia
porre
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Isso
é
lenda
,
né
,
Maria
Lúcia
?
Tio
Heitor
teve
câncer
no
duodeno
.
(
Pausa
)
Alguém
vai
querer
aliche
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
vou
provar
uma
lasquinha
.
Morro
de
medo
de
ter
intoxicação
.
Foi
uma
dessas
que
a
Mariza
se
foi
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Mas
também
,
com
vida
desregrada
que
ele
tinha
.
REGINA .
Regina
REGINA.
O
problema
foi
que
ele
teve
duas
hepatites
em
seguida
.
Fora
uma
das
outras
complicações
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Pensando
bem
,
com
a
vida
que
ela
tinha
,
a
morte
foi
até
um
bálsamo
.
Regina
Claro
.
Depois
que
ela
perdeu
aquela
metade
do
pé
,
nunca
mais
foi
a
mesma
.
Coitada
da
Mariza
.
SELMA .
Selma
SELMA.
E
tia
Nair
vivia
mandando
ela
tirar
o
sapato
,
pra
para
todo
mundo
ver
.
(
E
tome
bebida
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
encontrei
com
ela
,
pouco
antes
dela
morrer
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Tava
Estava
um
caco
.
Dava
pena
até
de
ver
.
E
tia
Nair
foi
pelo
mesmo
caminho
.
Logo
depois
da
morte
da
Mariza
,
ela
começou
a
ter
aqueles
sintomas
todos
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Tia
Nair
já
morreu
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
.
Mas
não
deve
demorar
.
A
Celinha
me
disse
que
ela
já
nem
anda
mais
.
Eu
já
avisei
:
fica
de
olho
,
porque
ela
pode
desencarnar
a
qualquer
momento
.
LAURA .
Laura
LAURA.
A
Celinha
deve
estar
cortando
um
dobrado
com
ela
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Uma
sacrificada
coitada
.
Igualzinha
a
mim
.
Com
a
diferença
de
que
a
Celinha
não
se
casou
,
não
teve
filhos
,
pra
para
ela
fica
mais
fácil
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Uma
pena
a
Celinha
ter
se
inutilizado
tão
moça
.
Aquilo
foi
um
golpe
muito
forte
.
LAURA .
Laura
LAURA.
O
que
foi
que
houve
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Ô
,
Laurinha
...
então
a
Celinha
não
teve
que
se
operar
moça
ainda
?
Tirou
tudo
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Foi
uma
queda
de
um
cavalo
,
não
foi
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
ouvi
dizer
que
foi
um
chute
que
o
tio
Abílio
deu
nela
.
Tio
Abílio
era
outro
que
bebia
demais
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Deus
me
perdoe
,
mas
teve
o
fim
que
merecia
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Credo
,
Maria
Lúcia
.
Aquilo
não
se
deseja
nem
prum
para um
para
um
cachorro
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
ele
tratava
tia
Nair
,
como
?
Como
gente
?
Não
...
morreu
com
a
mão
na
campainha
,
chamando
a
enfermeira
e
a
sujeita
desaparecida
.
Com
certeza
se
entregando
aos
médicos
.
Tia
Nair
disse
que
ele
tava
estava
roxinho
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Vocês
sabia
sabiam
que
o
tio
Abílio
,
eu
era
muito
garotinha
,
mas
eu
tenho
quase
certeza
de
que
ele
ficava
me
alisando
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Vai
dizer
isso
pra
para
a
gente
?
Ele
beliscou
o
peito
da
Selma
,
uma
vez
,
não
foi
,
Selma
?
Ninguém
não
disse
nada
com
medo
do
papai
matar
ele
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ele
não
era
normal
.
Aliás
,
ali
naquela
família
era
um
pior
do
que
o
outro
.
O
Byron
jogou
uma
mala
no
olho
da
Celeste
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
não
sabia
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Como
não
?
Ela
perdeu
a
vista
.
Estava
com
tudo
pronto
pra
para
deixar
ele
,
o
desquite
assinado
,
ele
teve
um
acesso
de
loucura
e
jogou
a
mala
na
cara
dela
.
Por
azar
,
pegou
no
olho
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Essa
é
outra
que
não
tá
está
muito
bem
.
Ela
tem
uma
boutique
,
mas
perdeu
o
gosto
pela
vida
e
anda
feito
um
trapo
.
Mas
também
coitada
,
teve
que
segurar
a
barra
da
doença
do
tio
Mauro
.
Ele
teve
um
câncer
raríssimo
.
Foi
no
esôfago
,
não
foi
Selma
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
tá
está
trocando
tudo
.
Tio
Mauro
morreu
de
tétano
.
Mamãe
sempre
contava
que
ele
foi
ficando
duro
,
foi
paralisando
,
paralisando
,
no
final
só
mexia
os
olhos
.
Tia
Leda
é
que
teve
câncer
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
é
isso
,
Selma
?
Tia
Leda
caiu
morta
com
embolia
cerebral
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Então
liga
e
pergunta
pro
para o
para
o
Ricardo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
A
Selma
tem
razão
.
Tia
Leda
teve
câncer
generalizado
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
alguém
teve
embolia
que
eu
sei
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Foi
a
Milena
,
não
foi
?
TODAS .
Todas
TODAS.
Nããããããoooo
Não
!!!
REGINA .
Regina
REGINA.
Você
era
muito
pequena
,
Laurinha
.
A
Milena
tinha
um
problema
congênito
.
A
gente
já
sabia
que
ela
ia
morrer
desde
menina
,
a
gente
nem
deixava
ela
brincar
,
lembra
Selma
?
Com
medo
que
ela
empacotasse
no
meio
do
pique-esconde
.
Aliás
,
vocês
sabem
que
o
tio
Amaro
veio
busca-la
buscá-la
,
no
dia
em
que
ela
morreu
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Regina
,
para
de
beber
.
Quando
a
Milena
morreu
,
o
tio
Amaro
já
tinha
morrido
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
é
isso
que
estou
dizendo
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
quem
foi
que
veio
,
afinal
?
O
espírito
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ele
e
toda
nossa
falange
familiar
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Pronto
.
A
Regina
vai
começar
...
(
E
tome
bebida
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Vocês
não
acreditam
nessas
coisas
,
mas
não
há
como
negar
.
O
meu
mestre
me
disse
...
SELMA .
Selma
SELMA.
O
meu
genro
você
quer
dizer
...
REGINA .
Regina
REGINA.
O
seu
genro
.
Você
devia
estar
feliz
,
Selma
.
A
Simone
encontrou
um
homem
que
descobriu
Deus
e
isso
não
tem
preço
.
SELMA .
Selma
SELMA.
O
meu
Deus
é
diferente
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Só
existe
o
seu
Deus
,
não
existe
o
meu
Deus
.
Existe
um
Deus
e
pronto
.
Assim
como
existem
relações
kármicas
.
Nós
viemos
irmãs
com
uma
missão
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Que
mal
será
que
fizemos
?
LAURA .
Laura
LAURA.
No
mínimo
trucidamos
uma
a
outra
.
(
Pausa
)
Eu
tô
estou
brincando
.
Eu
não
acho
tão
mal
assim
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ache
o
que
quiser
.
Tudo
já
está
determinado
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
É
bem
cômodo
pensar
assim
,
né
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Muito
pelo
contrário
.
É
bem
mais
difícil
.
A
aceitação
de
uma
realidade
cósmica
é
muito
mais
difícil
do
que
vocês
imaginam
.
É
preciso
conhecer
o
seu
Deus
,
conversar
com
ele
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
me
desculpe
,
Regina
,
mas
o
meu
Deus
não
tem
tempo
de
ficar
batendo
papo
comigo
,
não
.
Ele
tem
mais
o
que
fazer
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
que
tem
.
Ele
tem
que
orquestrar
a
imensa
sinfonia
do
universo
.
Selma
,
nós
nos
conhecemos
há
quanto
tempo
?
Milhares
de
anos
?
Quantas
encarnações
já
passamos
juntas
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Como
é
que
vou
saber
,
Regina
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
posso
ter
sido
sua
mãe
.
Maria
Lúcia
pode
ter
sido
sua
avó
.
Laurinha
pode
ter
sido
marido
de
qualquer
uma
de
nós
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Regina
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Desculpe
,
Laurinha
.
Não
.
Não
é
porque
a
Laurinha
é
...
ah
!
Deixa
pra
para
lá
...
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Ri
)
Vocês
são
muito
engraçadas
.
Meu
Deus
,
como
vocês
são
engraçadas
!
Eu
nunca
admiti
isso
pra
para
mim
mesma
,
mas
vocês
são
deliciosas
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Laurinha
,
que
é
isso
?
LAURA .
Laura
LAURA.
A
Regina
tem
razão
.
Nós
somos
irmãs
por
alguma
razão
.
Alguma
razão
muito
forte
.
REGINA .
Regina
REGINA.
É
o
livre
arbítrio
.
Nós
escolhemos
o
nosso
destino
.
Tudo
já
estava
combinado
.
Até
essa
partilha
.
Até
essa
pizza
do
aliche
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Às
vezes
o
destino
é
meio
violento
nessas
decisões
,
não
é
?
Eu
queria
tanto
acreditar
,
mas
eu
não
consigo
.
Eu
não
posso
ter
escolhido
a
morte
da
pessoa
que
eu
amava
.
Ninguém
no
mundo
pode
desejar
o
fim
daquilo
que
ama
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Foi
uma
passagem
.
E
de
alguma
forma
te
ensinou
alguma
coisa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
O
vinho
acabou
.
Eu
vou
buscar
outra
garrafa
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Deixa
que
eu
vou
.
Você
já
tá
está
trocando
as
pernas
.
(
Maria
Lúcia
se
levanta
.
Antes
dá
uma
olhada
no
espelho
)
A
gente
não
devia
mesmo
ter
vendido
o
espelho
.
(
Sai
)
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Grita
)
Põe
uma
música
!
(
Pausa
)
Ai
,
a
gente
não
devia
perder
tempo
brigando
.
A
gente
devia
sair
por
aí
e
mergulhar
no
mar
,
juntas
,
como
a
gente
fazia
quando
era
criança
.
Isso
sim
,
ia
ser
uma
celebração
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Volta
com
o
vinho
)
Escuta
só
que
eu
achei
.
É
uma
peça
de
museu
!
(
Começa
a
tocar
um
Hully
Gully
)
Foi
na
festa
de
quinze
anos
da
Selma
.
Tocou
a
noite
inteira
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
foi
na
minha
.
Foi
na
da
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Se
eu
fechar
os
olhos
,
eu
lembro
de
tudo
.
O
véu
de
serpentinas
que
o
papai
colocou
no
teto
,
o
vestido
que
eu
estava
usando
.
Tudo
...
A
Laurinha
era
tão
pequena
.
Corria
no
meio
dos
convidados
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Foi
nessa
noite
que
eu
conheci
o
Luiz
Fernando
.
REGINA .
Regina
REGINA.
E
não
viveram
felizes
para
sempre
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
Não
vivemos
felizes
para
sempre
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Como
era
mesmo
que
a
gente
dançava
isso
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Era
fácil
.
Vem
!
(
Regina
começa
a
ensaiar
uns
passos
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
posso
me
queixar
da
vida
,
mas
de
uma
coisa
eu
me
queixo
:
nunca
tive
jeito
pra
para
dançar
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Dançando
)
Besteira
!
O
Luiz
Fernando
que
te
enfiou
isso
na
cabeça
,
e
você
boba
acreditou
.
O
Luiz
Fernando
é
sistemático
.
Aliás
,
todos
os
homens
são
sistemáticos
.
A
gente
,
não
.
A
gente
fica
feliz
com
um
forno
micro-ondas
,
acha
uma
gracinha
;
depois
tem
um
fogareiro
,
acha
melhor
ainda
.
Agente
A
A gente
gente
precisa
é
de
homem
.
Tendo
homem
a
coisa
vai
.
Agora
,
homem
,
não
.
Se
as
coisas
não
são
do
jeito
que
eles
querem
...
Fudeu
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
não
concordo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Todo
mundo
já
sabe
disso
,
né
,
Laurinha
?
(
Todas
riem
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Vem
,
Selma
.
Mexe
um
pouco
.
Não
tem
ninguém
olhando
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
sei
dançar
isso
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Aprende
.
Vem
.
(
Ela
puxa
Selma
)
É
fácil
,
ó
.
Conta
um
,
dois
,
três
,
quatro
.
E
volta
pro
para o
para
o
outro
lado
.
Anda
,
tenta
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Me
deixa
,
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
.
Vamos
dançar
juntas
.
(
As
quatro
dançam
o
Hully
Gully
.
Selma
pouco
a
pouco
vai
aderindo
à
coreografia
.
No
fim
,
já
está
dançando
,
alegríssima
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
é
que
estou
conseguindo
?
Eu
sei
dançar
Hully
Gully
!
(
E
elas
dançam
,
felizes
,
enquanto
a
luz
morre
em
resistência
.
)
CENA
Cena
III
(
Outro
dia
.
Agora
,
não
tem
mais
nada
.
Tudo
já
foi
vendido
.
O
espaço
está
vazio
,
só
o
velho
sofá
ficou
.
Laurinha
está
agachada
,
falando
no
telefone
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
É
claro
que
estou
feliz
.
E
um
pouco
orgulhosa
,
também
.
Eu
nunca
soube
de
nenhum
caso
como
esse
antes
.
Eu
sei
.
Sei
.
Mas
eu
sabia
que
eles
iam
voltar
atrás
.
(
Selma
entra
e
fica
olhando
a
irmã
.
Traz
o
jogo
de
Toddy
numa
bandeja
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
A
gente
se
fala
.
Obrigada
por
tudo
.
Tchau
.
(
Desliga
.
Percebe
Selma
e
fica
olhando
para
ela
,
feliz
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
vou
aproveitar
e
falar
rapidinho
:
eu
tenho
sido
muito
agressiva
com
você
.
Com
todo
mundo
.
Me
desculpa
.
(
Laura
se
aproxima
,
tira
a
bandeja
das
mãos
de
Selma
,
coloca
no
chão
e
a
abraça
.
Selma
fica
sem
saber
o
que
fazer
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Desculpo
,
sim
.
(
Suspira
)
A
comissão
voltou
atrás
e
minha
tese
foi
aprovda
pra
para
defesa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Então
deu
tudo
certo
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Ainda
não
.
Eu
ainda
tenho
que
defender
a
tese
,
ser
aprovada
e
só
depois
eu
talvez
seja
contratada
pela
universidade
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
gosta
de
estudar
,
não
é
,
Laurinha
?
Você
sempre
gostou
.
(
Ela
fica
embaraçada
com
a
ternura
que
sente
pela
irmã
)
.
Você
quer
um
café
?
Tá
Está
fresquinho
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Quero
sim
.
O
último
café
no
velho
jogo
de
Toddy
.
(
Ela
se
serve
)
Vamos
brindar
a
que
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Sei
lá
...
A
você
.
Você
tem
coisas
pra
para
brindar
.
Sobre
o
que
mesmo
é
a
sua
tese
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Deixa
pra
para
lá
,
Selma
...
é
meio
complicado
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
Eu
quero
saber
.
Eu
posso
não
ter
terminado
o
Normal
,
mas
eu
não
sou
burra
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
sei
que
você
não
é
.
(
Pausa
)
A
minha
tese
é
sobre
a
manifestação
do
riso
no
fim
do
milênio
.
É
uma
tese
de
sociologia
,
mas
com
fundamentos
literários
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Sei
.
(
Pausa
)
Laurinha
?
LAURA .
Laura
LAURA.
O
que
é
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
gosta
da
sua
vida
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Acho
que
gosto
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Do
seu
trabalho
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Do
jornal
,
eu
já
gostei
mais
.
Agora
,
virou
rotina
.
Eu
passo
a
maior
parte
do
dia
ligando
pras
para as
para
as
pessoas
,
perguntando
tudo
o
que
você
possa
imaginar
.
Mas
eu
gosto
de
dar
aula
e
gosto
de
escrever
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Gosta
de
escrever
o
que
?
Teses
?
LAURA .
Laura
LAURA.
(
Sorri
)
Nem
sempre
,
Selma
.
Nem
sempre
.
(
Elas
bebem
o
café
em
silêncio
.
)
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
tô
estou
me
sentindo
tão
esquisita
.
É
como
se
eu
tivesse
um
balão
pousado
aqui
,
ó
,
na
boca
do
estômago
.
Um
balão
que
nunca
levanta
voo
.
(
Pausa
)
Laurinha
,
eu
não
gosto
da
minha
vida
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Pouca
gente
gosta
,
se
isso
te
serve
de
consolo
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
acho
que
eu
tô
estou
nervosa
,
porque
o
corretor
vem
avaliar
o
apartamento
hoje
.
É
horrível
vender
esse
apartamento
.
Eu
sei
que
nós
quatro
somos
herdeiras
,
mas
eu
não
consigo
ver
esse
apartamento
com
outras
pessoas
morando
nele
.
É
como
se
nós
fôssemos
vender
a
história
da
nossa
vida
.
E
a
minha
vida
tem
uma
história
tão
sem
graça
.
(
Selma
fica
emocionada
.
Laurinha
a
abraça
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
não
devia
ficar
se
atormentando
,
Selma
.
Pensa
nas
coisas
boas
que
você
tem
.
Na
Simone
,
no
Mário
.
Você
tem
dois
filhos
bonitos
,
inteligentes
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
Eu
não
quero
ficar
pensando
nos
meus
filhos
.
Eu
quero
pensar
em
mim
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
acho
que
ainda
dá
tempo
.
(
Regina
entra
.
Afobada
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Fizeram
café
?
Que
bom
!
Deixa
eu
respirar
primeiro
.
(
Ela
serve-se
de
café
)
Tive
um
dia
de
cão
!
Os
meninos
voltaram
de
Saquarema
e
resolveram
que
vão
fazer
em
conjunto
.
Eu
acho
ótimo
,
mas
eles
não
têm
onde
ensaiar
e
ficam
ensaiando
lá
em
casa
.
Reclamações
do
prédio
todo
–
a
síndica
quase
deu
na
minha
cara
.
Meu
Deus
,
eu
me
sinto
uma
criança
bebendo
café
nessa
xícara
do
Toddy
!
–
Pra
Para
culminar
fui
atropelada
na
aeróbica
por
uma
louca
disrítimica
.
Por
pouco
a
demente
não
me
quebra
o
braço
.
(
Ela
tira
um
papel
da
bolsa
e
anota
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Você
precisa
anotar
tudo
mesmo
?
Até
o
que
bebe
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Sei
lá
.
Por
vias
das
dúvidas
,
vou
anotando
.
Depois
,
eu
somo
,
faço
umas
contas
com
uma
tabela
que
o
médico
me
deu
,
não
entendo
nada
e
acabo
tomando
um
laxante
.
SELMA .
Selma
SELMA.
A
tese
da
Laurinha
foi
aprovada
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Que
bom
!
Já
imaginou
,
Selma
?
A
Laurinha
,
doutora
?
Alguém
tinha
que
salvar
o
bom
nome
da
família
.
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Luiz
Fernando
descobriu
que
a
Simone
está
grávida
.
Eles
quase
se
mataram
hoje
de
manhã
,
eu
vi
que
ia
ainda
sobrando
pra
para
mim
e
pulei
fora
.
Passei
o
dia
todo
na
rua
.
Depois
,
vim
pra
para
cá
.
Eles
são
tão
parecidos
–
vão
acabar
se
entendendo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
que
vão
.
A
Simone
é
uma
mulher
maravilhosa
.
Você
pode
torcer
o
nariz
o
quanto
quiser
,
mas
ela
é
diferente
de
nós
.
Ela
é
uma
eleita
.
(
Pausa
)
Selma
,
você
vai
ser
avó
!!!
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
tenho
cara
de
avó
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
que
não
.
Você
tá
está
linda
,
minha
irmã
.
Eu
acho
tão
chique
ser
avó
assim
,
nova
.
Você
é
dois
anos
mais
nova
que
eu
,
tá
está
com
...
(
Maria
Lúcia
entra
,
falando
alto
e
interrompendo
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Cinquenta
e
oito
!
(
Regina
e
Selma
gritam
)
Cinquenta
e
oito
cruzados
por
uma
corrida
de
nada
.
Eu
fui
roubada
.
O
taxímetro
estava
tendo
um
ataque
epilético
!
(
Ela
olha
as
irmãs
)
Não
tem
passagem
de
jeito
nenhum
.
Todos
os
voos
lotados
.
Vou
ter
que
esperar
quinze
dias
e
,
mesmo
assim
,
sem
nenhuma
garantia
de
conseguir
embarcar
.
Eu
nunca
vi
isso
,
minha
gente
.
Parece
que
o
povo
todo
quer
se
mandar
daqui
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Toma
um
café
.
Senta
no
chão
.
Para
de
andar
,
que
eu
fico
nervosa
.
(
Pausa
)
Eu
acho
que
,
agora
,
a
gente
não
tem
mais
nada
pra
para
dividir
,
não
é
?
Quer
dizer
,
sobraram
umas
besteirinhas
,
que
ninguém
vai
conseguir
vender
mesmo
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
o
apartamento
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
.
O
corretor
já
devia
ter
chegado
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Vocês
têm
alguma
ideia
de
quanto
é
que
nós
vamos
pedir
pelo
apartamento
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
andei
perguntando
por
aí
,
e
acho
que
100
mil
dólares
é
um
preço
razoável
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Você
tá
está
louca
?
Você
acha
que
eu
vou
vender
o
apartamento
que
o
meu
pai
comprou
com
tanto
sacrifício
por
100
mil
dólares
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
,
é
o
preço
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
é
não
,
senhora
.
Esse
apartamento
é
muito
bem
localizado
.
Tem
vista
pro
para o
para
o
mar
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Só
que
ninguém
vai
ficar
entortando
a
cabeça
pra
para
ficar
olhando
o
mar
,
não
é
,
Selma
?
Vista
pro
para o
para
o
mar
com
torcicolo
.
Só
mesmo
você
pra
para
me
sair
com
uma
dessa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
O
Luiz
Fernando
acha
que
a
gente
deve
pedir
200
mil
dólares
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
não
vamos
vender
nunca
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Então
não
vendemos
e
pronto
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Se
metendo
)
Isso
é
que
você
pensa
!
Eu
preciso
desse
dinheiro
.
Vamos
vender
esse
apartamento
,
nem
que
seja
na
polícia
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
,
o
apartamento
está
caindo
aos
pedaços
.
Ninguém
vai
dar
200
mil
dólares
por
ele
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
estava
agora
mesmo
dizendo
à
Laurinha
que
esse
apartamento
representa
a
história
da
nossa
vida
.
Foi
aqui
que
nós
nos
conhecemos
.
Foi
aqui
que
nós
começamos
a
viver
.
Eu
não
faço
questão
de
vender
,
Regina
.
Laurinha
,
diz
alguma
coisa
!
Diz
alguma
coisa
,
pelo
amor
de
Deus
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
preciso
do
dinheiro
,
Selma
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
também
.
Eu
preciso
voltar
pra
para
casa
e
com
algum
dinheiro
no
bolso
.
Nunca
gostei
de
viver
à
custa
de
homem
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Isso
pra
para
mim
é
novidade
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
vou
brigar
com
você
.
Nós
vamos
vender
o
apartamento
e
pronto
.
Você
é
minoria
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
sou
uma
pedra
no
sapato
de
vocês
...
Pois
eu
fico
feliz
em
ser
minoria
.
Eu
não
assino
os
papéis
.
Não
assino
!
LAURA .
Laura
LAURA.
Selma
,
por
favor
.
Nós
conseguimos
fazer
a
partilha
de
um
modo
civilizado
.
Nós
escolhemos
o
que
cada
uma
queria
guardar
de
lembrança
,
vendemos
os
móveis
,
os
objetos
de
arte
...
não
cria
problema
,
vai
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ela
não
deve
estar
indo
à
psicóloga
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ironia
não
vai
ajudar
,
Regina
.
Ironia
não
vai
ajudar
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Nada
vai
ajudar
.
Nada
!
E
quer
saber
por
quê
?
Porque
você
é
louca
,
Selma
.
Neurótica
!
Você
quer
transformar
isso
aqui
em
que
?
Num
museu
?
Quem
é
que
vai
pagar
o
condomínio
,
as
taxas
extras
?
(
Grita
)
Você
?
Você
não
tem
onde
cair
morta
!
Não
pode
nem
dar
um
chute
naquele
marido
porque
não
tem
como
viver
!
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Avança
nela
)
Sua
vaca
!
(
Elas
se
estapeiam
.
Laura
e
Maria
Lúcia
se
metem
e
separam
.
Um
caos
de
gritos
e
lamúrias
.
)
REGINA –
Regina
REGINA–
Seu
problema
comigo
é
tão
grande
,
que
você
nunca
vai
conseguir
resolver
.
Nunca
.
Nem
que
você
passe
a
vida
indo
nessa
psicóloga
.
SELMA –
Selma
SELMA–
(
Chorosa
,
procura
um
comprimido
na
bolsa
)
Não
fala
comigo
,
Regina
.
Não
fala
comigo
.
(
Ela
engole
o
comprimido
a
seco
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Me
dá
uma
eiota
de
Lorax
,
que
eu
também
fiquei
nervosa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
só
tinha
esse
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ai
,
Selma
.
Eu
troco
.
Eu
te
dou
um
Lexamil
francês
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Tem
dois
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tenho
valium
na
bolsa
.
Pode
pegar
.
(
Elas
tomam
suas
bolas
com
café
.
Pausa
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
fala
comigo
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Vamos
parar
,
pelo
amor
de
Deus
!
Vocês
são
irmãs
,
Regina
,
vai
dar
um
abraço
na
Selma
.
Selma
abraça
a
Regina
.
Pronto
:
acabou
.
(
orgulhosa
)
Eu
sou
a
mais
velha
.
Na
falta
da
mamãe
,
eu
assumo
o
posto
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Regina
sempre
implicou
comigo
.
Sempre
pisou
em
mim
.
Roubava
minhas
roupas
,
meus
sapatos
...
Era
sempre
comigo
.
Sempre
comigo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Você
tem
razão
.
Você
sempre
teve
o
dom
de
me
irritar
.
Você
sempre
quebrou
a
magia
dos
melhores
momentos
.
Até
no
meu
casamento
,
por
pouco
você
não
estraga
a
festa
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Ela
não
teve
culpa
,
Regina
.
O
padre
que
era
maluco
.
A
Selma
passou
a
maior
vergonha
,
coitada
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Se
ela
não
tivesse
tirado
o
bolero
no
altar
,
o
padre
não
ia
saber
que
ela
estava
de
costas
nuas
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
não
tive
culpa
.
E
mesmo
que
eu
tivesse
,
paguei
,
não
paguei
?
Todo
mundo
me
olhando
e
o
padre
me
botando
na
rua
.
A
mamãe
ainda
falava
:
sai
logo
,
sai
logo
!
Ninguém
foi
capaz
de
me
defender
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Por
que
foi
que
você
tirou
o
bolerinho
,
Selma
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Porque
eu
estava
morta
de
calor
.
Era
verão
e
a
Regina
,
sempre
muito
exibida
,
quis
os
altares
todos
acesos
.
Até
o
de
Santa
Efigênia
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Mamãe
era
devota
dela
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Foi
muito
bonito
o
casamento
da
Regina
.
(
Pausa
)
O
vestido
é
que
não
deu
muito
certo
,
ficou
com
uma
barriga
esquisita
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Meu
vestido
era
lindo
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
era
não
.
A
costureira
não
acertou
com
seu
corpo
.
Eu
me
lembro
que
todo
mundo
comentou
na
época
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
A
Regina
sempre
teve
um
corpo
esquisito
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ainda
bem
que
é
você
quem
está
dizendo
isso
.
Se
fosse
eu
,
ela
era
capaz
de
me
matar
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
tenho
um
corpo
esquisito
,
Maria
Lúcia
?
Eu
?
Você
tinha
o
maior
complexo
das
tuas
pernas
.
Todo
mundo
te
chamava
de
saracura
!
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Nunca
fui
nenhuma
Marta
Rocha
,
mas
nunca
tive
barriga
e
,
cá
entre
nós
,
sempre
tive
um
peito
lindo
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Aliás
,
nós
todas
temos
peitos
bonitos
.
Puxamos
o
lado
da
família
do
papai
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Menos
a
Regina
.
Todinha
a
mamãe
...
SELMA .
Selma
SELMA.
Peito
grande
e
barriga
.
Mamãe
tinha
uma
cara
linda
,
mas
o
corpo
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Vocês
estão
delirando
.
Nunca
houve
nada
de
errado
com
meu
peito
.
E
eu
nunca
tive
nada
errado
com
meu
peito
.
E
eu
nunca
tive
barriga
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Conta
outra
,
Regina
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
mostro
,
minha
filha
.
Pode
ver
,
já
que
vocês
se
esqueceram
.
(
Ela
abre
a
blusa
e
mostra
os
peitos
pras
para as
para
as
irmãs
.
A
plateia
vê
as
caras
das
três
assombradas
e
as
costas
de
Regina
.
Um
tempo
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Operou
,
sim
.
Tá
Está
com
peito
de
menina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Envergonhada
)
Operei
a
barriga
também
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Uma
lanternagem
completa
,
hein
?
Também
,
com
a
quantidade
de
óleo
que
você
queimou
,
o
motor
já
devia
ter
batido
o
pino
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Doeu
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Um
sofrimento
.
O
peito
eu
tirei
de
letra
,
mas
a
barriga
...
Eu
gritei
tanto
,
mas
tanto
,
que
me
deram
alta
antes
do
tempo
.
Fiquei
rouca
um
mês
.
SELMA .
Selma
SELMA.
E
dá
pra
para
usar
biquíni
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Claro
.
A
cicatriz
é
bem
embaixo
.
Taí
Está
Está aí
aí
.
Você
devia
fazer
plástica
,
Selma
.
SELMA .
Selma
SELMA.
E
,
por
acaso
,
eu
estou
precisando
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
é
questão
de
precisar
,
é
uma
mudança
.
É
o
melhor
remédio
do
mundo
contra
depressão
,
contra
ansiedade
,
contra
tudo
!
Já
imaginou
?
Você
acorda
,
grita
um
pouquinho
e
depois
se
olha
e
tá
está
de
cara
nova
.
Ah
,
não
tem
nada
melhor
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Isso
depende
,
né
porque
a
Clarice
,
coitada
,
ficou
desfigurada
.
SELMA .
Selma
SELMA.
A
Clarice
já
era
desfigurada
antes
de
fazer
a
plástica
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
,
além
do
mais
,
quando
ela
resolveu
fazer
,
já
era
tarde
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Quantas
você
já
fez
,
Maria
Lúcia
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Sei
lá
,
Laurinha
.
Que
pergunta
.
Eu
não
sou
mais
menina
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Todo
mundo
sabe
disso
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
para
seu
governo
,
ainda
atraio
atenção
na
rua
.
Ontem
mesmo
,
eu
vinha
saindo
do
hotel
e
um
grupo
de
vagabundos
ficou
gritando
sujeira
pra
para
mim
.
Eu
A-DO-REI
.
Sabe
que
eu
tava
estava
sentindo
falta
dessa
coisa
cafajeste
.
Eles
falaram
tanta
imundície
,
mas
tanta
...
e
eu
lá
,
só
ouvindo
...
fingindo
que
não
era
comigo
,
mas
adorando
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Que
coisa
mais
antiga
,
Maria
Lúcia
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Que
eu
posso
fazer
?
Eu
sou
do
tempo
que
mulher
gostava
de
homem
.
Desculpe
,
Laurinha
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Tudo
bem
.
(
Ri
)
Eu
já
consigo
até
rir
disso
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Pois
eu
tenho
horror
a
esses
cafajestes
.
Outro
dia
mesmo
,
em
plena
Praça
Saens
Peña
,
um
engraçadinho
gritou
:
aí
gostosa
,
não
goza
mais
não
?
(
Pausa
)
Eu
acho
que
tá
está
na
cara
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Vai
ver
é
por
isso
que
você
anda
tão
nervosa
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Por
isso
também
.
(
Começa
a
anotar
)
Eu
tô
estou
anotando
tudo
o
que
você
me
disse
,
Regina
.
Vou
colocar
na
minha
próxima
sessão
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Selma
,
minha
irmã
,
pra
para
consertar
a
sua
cabeça
,
só
sessão
espírita
.
(
Elas
riem
,
cansadas
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
o
corretor
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Já
devia
ter
chegado
.
E
por
falar
nisso
,
quem
é
que
está
cuidando
da
papelada
toda
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
.
Quem
mais
podia
ser
?
Eu
preciso
do
atestado
de
óbito
da
mamãe
.
É
melhor
você
me
entregar
logo
,
Regina
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
não
está
comigo
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Claro
que
está
.
Eu
te
dei
,
na
missa
de
sétimo
dia
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Tem
razão
,
mas
eu
dei
pra
para
alguém
.
Maria
Lúcia
pediu
pra
para
dar
uma
olhadinha
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
devolvi
logo
,
logo
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Sem
atestado
de
óbito
,
não
se
faz
nada
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Isso
não
.
Todo
mundo
sabe
que
a
mamãe
morreu
.
A
gente
tira
uma
segunda
via
.
Ninguém
vai
achar
que
está
malocando
a
mamãe
pra
para
vender
o
imóvel
.
REGINA .
Regina
REGINA.
(
Que
esteve
procurando
na
bolsa
)
Achei
.
(
Entrega
a
Selma
)
Tava
Estava
aqui
,
dobradinho
.
SELMA .
Selma
SELMA.
(
Lendo
)
Mas
o
que
é
isso
?
Uma
esfiha
,
um
caldo
de
cana
,
um
café
sem
açúcar
?
Regina
,
você
rabiscou
tudo
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Ah
,
Meu
Deus
!
Notei
o
regime
no
óbito
da
mamãe
!
Será
que
não
serve
mais
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
(
Pega
o
óbito
e
vê
)
Coitada
da
mamãe
.
Isso
é
coisa
que
se
faça
,
Regina
?
(
Lê
)
Dois
bom-bocados
,
croissant
de
catupiry
e
um
diet
coke
.
Tem
mais
aqui
:
um
pastel
de
queijo
,
um
brigadeiro
e
duas
diet
cokes
.
Adianta
tomar
diet
coke
?
Adianta
?
(
Continua
a
ler
,
rindo
)
Escuta
só
:
um
amor-perfeito
,
um
bolinho
de
aipim
com
carne
e
uma
diet
coke
.
(
Ri
)
E
ela
quer
emagrecer
...
(
Lendo
)
Complicações
respiratórias
,
infarto
no
miocárdio
.
Isso
foi
a
mamãe
.
(
Lê
)
Ela
toma
diet
coke
como
quem
bebe
água
!
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
eu
já
emagreci
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
foi
você
que
emagreceu
.
O
apartamento
é
que
ficou
vazio
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Regina
,
minha
irmã
,
só
há
um
meio
de
se
emagrecer
:
abrindo
o
olho
e
fechando
a
geladeira
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Mas
eu
não
preciso
emagrecer
.
Eu
preciso
me
manter
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Tá
Está
bom
.
Não
se
fala
mais
nisso
.
Além
do
mais
eu
já
conheço
suas
dietas
:
você
faz
o
maior
estardalhaço
e
tudo
o
que
você
consegue
perder
é
tempo
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Por
que
é
que
você
não
vai
tomar
no
seu
cu
,
hein
,
Selma
?
SELMA .
Selma
SELMA.
Quem
me
dera
...
(
Elas
começam
a
rir
.
Pateticamente
.
Riem
descontroladamente
.
Campainha
.
Elas
se
interrompem
.
Tempo
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
É
o
corretor
.
(
Elas
não
se
mexem
.
Um
desconforto
.
Um
intruso
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
vou
abrir
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Espera
.
Nós
ainda
nem
resolvemos
quanto
vamos
pedir
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Ele
veio
pra
para
isso
.
Pra
Para
fazer
uma
avaliação
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Não
vamos
nos
precipitar
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Minha
opinião
vocês
sabem
muito
bem
qual
é
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
vou
abrir
a
porta
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Laurinha
,
espera
.
(
Campainha
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
O
homem
está
tocando
,
Maria
Lúcia
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Mas
nós
ainda
nem
acabamos
a
partilha
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Como
não
acabamos
?
Não
tem
mais
nada
que
preste
aqui
dentro
.
Regina
,
o
que
foi
que
deu
em
você
?
Maria
Lúcia
...
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
acho
que
nós
devemos
pensar
melhor
,
antes
de
ir
abrindo
a
porta
prum
para um
para
um
corretor
qualquer
que
pode
se
passar
a
perna
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Eu
acho
perigoso
.
A
Marli
foi
atacada
por
um
corretor
,
visitando
uns
apartamentos
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
me
diga
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Avançou
nela
no
playground
.
Foi
um
horror
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Tá
Está
vendo
,
Laurinha
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Vocês
enlouqueceram
?
SELMA .
Selma
SELMA.
O
jogo
do
Toddy
!!
Com
quem
vai
ficar
o
jogo
do
Toddy
?
(
Campainha
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
É
melhor
a
gente
dividir
.
Cada
uma
fica
com
uma
peça
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Mas
assim
vai
desfalcar
,
né
,
Regina
?
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Vamos
sortear
,
então
.
Mas
quem
perder
,
tem
que
respeitar
.
Tem
que
saber
perder
.
Laurinha
,
pega
papel
aí
,
na
minha
bolsa
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
não
quero
fazer
isso
.
(
Pausa
)
O
homem
deve
ter
ido
embora
.
Vocês
querem
vender
esse
apartamento
,
ou
não
querem
?
Eu
não
entendo
vocês
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Se
a
gente
dividir
o
jogo
,
o
açucareiro
é
meu
.
REGINA .
Regina
REGINA.
A
gente
acabou
de
resolver
:
vamos
sortear
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Se
bem
que
eu
é
quem
devia
ficar
com
a
louça
.
Eu
juntei
mais
rótulos
do
que
todas
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
É
mentira
.
Você
nem
gosta
de
Toddy
.
A
Regina
é
que
juntou
mais
.
REGINA .
Regina
REGINA.
A
Selma
tem
o
dom
de
torcer
a
realidade
que
só
ela
.
(
Campainha
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Ele
voltou
.
Eu
vou
abrir
.
(
Laurinha
sai
rápida
.
As
três
ficam
paradas
,
como
três
crianças
assustadas
.
Um
tempo
.
Laurinha
volta
.
)
LAURA .
Laura
LAURA.
Selma
,
me
dá
a
chave
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Como
não
?
Eu
quero
abrir
a
porta
.
O
homem
vai
pensar
que
nós
somos
loucas
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Ele
que
pense
o
que
quiser
.
Eu
não
abro
a
porta
e
pronto
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Não
devemos
satisfações
a
ninguém
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
E
,
além
do
mais
,
se
ele
tá
está
com
tanta
gana
de
entrar
,
é
porque
quer
atacar
alguém
.
Não
vamos
abrir
a
porta
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Selma
,
me
dá
a
chave
,
agora
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Não
dou
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Então
eu
vou
pegar
na
marra
.
(
Laura
se
aproxima
ameaçadora
.
Selma
mete
a
mão
na
bolsa
e
atira
a
chave
pela
janela
.
Regina
e
Maria
Lúcia
aplaudem
.
)
REGINA .
Regina
REGINA.
Vai
pegar
agora
,
Laurinha
,
vai
...
LAURA .
Laura
LAURA.
Nós
estamos
trancadas
aqui
dentro
.
Eu
tinha
dado
as
minhas
chaves
pra
para
ela
...
REGINA .
Regina
REGINA.
Eu
também
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Vocês
têm
que
ser
internadas
.
Deviam
ser
proibidas
de
andar
nas
ruas
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Bom
,
já
que
nós
não
vamos
abrir
porta
,
vamos
resolver
o
que
é
que
vamos
fazer
com
o
jogo
de
Toddy
.
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
quero
que
esse
jogo
de
Toddy
se
foda
!
Eu
quero
que
vocês
se
fodam
!
Como
é
que
nós
vamos
sair
daqui
?
Eu
não
posso
ficar
aqui
dentro
.
Vamos
ligar
pra
para
alguém
!
SELMA .
Selma
SELMA.
Laurinha
,
relaxa
e
aproveita
.
(
Regina
apanha
o
jogo
de
Toddy
e
coloca
no
centro
do
palco
.
)
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Eu
fico
com
as
xícaras
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Então
os
pires
são
meus
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Mas
assim
,
vocês
saem
lucrando
.
A
leiterinha
fica
com
quem
?
REGINA .
Regina
REGINA.
Laurinha
,
você
quer
a
leiterinha
?
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
não
acredito
.
Eu
não
acredito
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Acredite
,
Laurinha
.
Acredite
:
agora
é
que
a
partilha
vai
começar
!
(
A
luz
morre
abrupta
.
Música
.
Luz
sobre
Laura
,
num
ponto
indefinido
.
)
EPÍLOGO
Epílogo
LAURA .
Laura
LAURA.
Eu
descobri
que
aprendi
a
rir
com
vocês
.
E
vocês
nunca
vão
ter
consciência
do
quanto
isso
tem
sido
importante
pra
para
mim
.
Vocês
nunca
mais
vão
poder
dizer
que
a
Laurinha
é
uma
menina
esquisita
,
deprimida
.
Nunca
mais
.
(
Pausa
)
Foi
uma
pena
vocês
não
terem
visto
a
minha
defesa
de
tese
.
Foi
brilhante
.
Depois
de
tudo
,
eu
precisava
deixar
aquela
gente
de
boca
aberta
.
E
deixei
.
Orgulhem-se
de
mim
.
(
Pausa
)
O
dinheiro
do
apartamento
veio
em
boa
hora
–
agradeço
a
Selma
por
ela
ter
voltado
atrás
.
Agradeço
a
todas
vocês
.
Estou
mandando
esta
carta
em
um
xerox
pras
para as
para
as
três
,
porque
estou
sem
tempo
nenhum
.
Maria
Lúcia
,
eu
prometo
que
quando
estiver
deprimida
,
vou
gastar
todo
o
meu
dinheiro
num
longo
telefonema
.
Está
um
frio
dos
diabos
.
Neva
sem
parar
.
Eu
sinto
saudades
do
calor
horrível
que
deve
estar
fazendo
no
Brasil
,
do
sol
alaranjado
nos
fins
de
tarde
e
muitas
,
muitas
saudades
de
vocês
.
Amor
,
Laurinha
.
MARIA
Maria
LÚCIA .
Lúcia
LÚCIA.
Laurinha
me
ligou
ontem
,
de
Berlim
.
Ela
está
contente
com
a
bolsa
de
estudo
e
o
dinheiro
do
apartamento
ajudou
muito
.
Ajudou
a
todas
nós
,
embora
o
meu
coração
pule
no
peito
,
cada
vez
que
eu
penso
que
nunca
mas
vou
vê-lo
.
Enfim
,
a
vida
continua
.
Mauricinho
está
um
verdadeiro
francês
e
toca
guitarra
no
metrô
de
Montparnasse
.
Vocês
podem
imaginar
o
Mauricinho
ganhando
algum
dinheiro
?
Pois
está
,
Paris
atravessa
um
inverno
gelado
,
cinzento
,
mas
a
gente
sempre
espera
confiante
a
chegada
da
primavera
.
No
mais
,
estamos
todos
bem
e
eu
descobri
que
sou
uma
boa
mãe
,
no
final
das
contas
.
Ouviu
essa
,
Selma
?
Eu
sou
uma
boa
mãe
.
Um
beijo
,
Maria
Lúcia
.
REGINA .
Regina
REGINA.
Ontem
conseguiu
arrastar
a
Selma
para
um
encontro
esotérico
.
Ela
lutou
,
lutou
,
mas
acabou
indo
.
E
então
a
coisa
mais
engraçada
aconteceu
.
No
meio
dos
trabalhos
,
quando
nós
nos
abraçamos
a
pedido
do
mestre
,
ela
começou
a
chorar
.
Chorou
à
noite
inteira
e
depois
me
disse
que
aquela
tinha
sido
uma
noite
feliz
.
Ela
finalmente
teve
a
sua
revelação
.
Ali
,
abraçadas
,
nós
podíamos
sentir
uma
corrente
de
pura
energia
que
corria
em
nós
.
E
tivemos
a
nossa
resposta
.
Eu
sei
que
ela
vai
dizer
isso
tudo
é
uma
grande
bobagem
,
mas
nós
tivemos
uma
resposta
.
E
vamos
leva-la
levá-la
conosco
pra
para
outros
planetas
,
outras
vidas
,
outras
estrelas
.
Agora
,
não
posso
escrever
mais
:
estou
correndo
para
um
encontro
de
tarólogos
no
Acre
.
Já
viu
coisa
mais
louca
?
Beijos
e
beijos
.
Regina
.
SELMA .
Selma
SELMA.
Vocês
já
são
tias-avós
.
Eu
sei
que
o
título
não
é
muito
agradável
,
mas
a
vida
nos
prega
essas
peças
.
Simone
está
feliz
e
o
menino
é
lindo
.
Depois
de
muita
briga
,
meu
neto
chama-se
Fernando
.
Escapou
por
um
triz
de
se
chamar
Baba
Sharam
.
Luiz
Fernando
é
um
avô
coruja
e
eu
uma
babá
conformada
.
Interrompi
as
sessões
com
a
psicóloga
.
Ela
mudou
o
consultório
pra
para
Ipanema
,
fica
meio
longe
,
e
vocês
sabem
que
eu
não
largo
a
minha
Tijuca
por
nada
desse
mundo
.
Tenho
pensado
muito
em
vocês
e
acabo
achando
que
a
Regina
tem
muita
razão
:
alguma
coisa
devemos
ter
aprontado
noutra
vida
,
pra
para
sentir
saudades
uma
da
outra
.
É
.
Sem
dúvida
,
a
Regina
tem
razão
.
Amor
.
Selma
.
(
Elas
ficam
pensativas
,
um
momento
.
Súbito
,
empunham
as
canetas
e
resolvem
escrever
mais
uma
vez
.
)
AS
As
QUATRO
quatro
.
(
Juntas
)
Querida
irmã
...
(
Elas
se
entreolham
.
Sorriem
.
Rompem
a
convenção
do
palco
e
se
encontram
no
centro
,
onde
se
beijam
e
abraçam
.
A
luz
morre
em
resistência
)